quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entrega

Dia desses parei pra pensar no quanto nos deixamos conhecer pelas pessoas. Quantas pessoas à sua volta você pode dizer que realmente te conhecem? - seus defeitos, inseguranças, suas fragilidades, seus potenciais, suas qualidades. Talvez seja mais fácil mostrar aos outros aquilo que você julga que é o seu melhor. Talvez você tenha vergonha de mostrar suas fraquezas, ou medo de que se mostrar suas "sombras", o outro possa se afastar.
Acontece que muitas vezes, deixamos de mostrar ao mundo quem e como somos. Acabamos representando papéis (quer nos demos conta deles ou não - vide o post anterior "O exercício do Outro"). E fique me perguntando de que nos servem esses papéis? O que acontece que sentimos a necessidade desse "resguardo", a necessidade de conter parte(s) daquilo que somos em nossas elações?
Quando nos expomos e nos colocamos com todo nosso ser, todas as nossa limitações e todas as nossa potencialidades, nos colocamos em posição de extrema fragilidade. Deixar que o outro nos conheça, expor partes tão importantes de nós, é de certa forma, colocar uma parte de si nas mãos do outro. É assim que se dá o contato verdadeiro, o crescimento. Quando há essa troca. E colocar-se nas mãos de outra pessoa dá medo, é assustador. Talvez esse alguém acolha você tal como é, e tudo aquilo que você oferece; talvez faça uso de suas fragilidades mais adiante. A verdade é que dá medo e é assustador muitas vezes, permitir que alguém nos conheça talvez tão bem quanto nós mesmos nos conhecemos (se é que isso é possível). No entanto, é assim também que nos permitimos ser amados de verdade. Quando somos nós, damos ao outro e a nós mesmos a oportunidade de ser livre, espontâneo, fluído, acolhido, amado.
É um dilema. Mas o fato é que se escolhemos representar papéis, talvez (e só talvez) tenhamos sucesso no intento de não deixar que o outro nos machuque. Mas com certeza estaremos nos privando de sermos amados em nossa totalidade e singularidade.
Para que seja possível fazer essa escolha, é imprescindível que saibamos quem e como somos, que nós mesmos possamos acolher nossa luz e nossa sombra e nos diferenciar do outro. "Quem ama precisa saber perder-se, e precisa  saber encontrar-se".

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Exercício do Outro

Olá!

Hoje divido com vocês uma pequena história - ou exercício - que encontrei num dos livros de Paulo Coelho.
Espero que possamos todos fazer esse exercício com bastante freqüência e que o Outro dê lugar a quem realmente somos: cheios que potencialidades, possibilidades, fluidez, esponteneidade.

"Um sujeito encontra um velho amigo - que vive tentando acertar na vida, sem resultado. "Vou ter que dar alguns trocados pra ele", pensa. Acontece que, naquela noite, descobre que seu velho amigo está rico, e veio pagar todas as dívidas que havia contraído no decorrer dos anos.
Vão até um bar que costumavam freqüentar juntos e ele paga a bebida de todos. Quando lhe indagam a razão de tanto êxito, responde que até dias atrás estava vivendo o Outro.
- O que é o Outro? - perguntaram.
 - O Outro é aquele que me ensinaram a ser, mas que não sou eu. O Outro acredita que a obrigação do homem é passar a vida inteira pensando em como juntar dinheiro para não morrer de fome quando ficar velho. Tanto pensa e tanto faz planos, que só descobre que está vivo quando seus dias na Terra estão quase terminando. Mas aí é tarde demais.
- E você, quem é?
- Eu sou o que qualquer um de nós é, se escutar seu coração. Uma pessoa que se deslumbra diante do mistério da vida, que está aberta aos milagres, que sente alegria e entusiasmo pelo que faz. Só que o Outro, com medo de decepcionar-se, não me deixava agir.
- Mas existe sofrimento - dizem as pessoas no bar.
- Existem derrotas. Mas ninguém escapa delas. Por isso, é melhor perder alguns combates na luta por seus sonhos que ser derrotado sem sequer saber por que você está lutando.
- Só isto? - perguntaram.
- Sim. Quando descobri isto, acordei decidido a ser o que realmente sempre desejei. O Outro ficou ali, no meu quarto, me olhando, mas não o deixei mais entrar - embora tenha procurado me assustar algumas vezes, me alertando para os riscos de não pensar no futuro.
A partir do momento em que expulsei o Outro da minha vida, a energia Divina operou seus mlagres".
  (Na margem do Rio Piedra eu sentei e Chorei, Paulo Coelho).



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Razão e emoção

Imagino que deva ser conhecida de todos a sensação de se perceber ciente de alguma coisa, sem que no entanto, esse conhecimento interfira na maneira como se sente. Nesses momentos, é quase como se fôssemos divididos em duas partes: uma lógica, racional, que analisa os fatos concretos; e uma emocional, que sente. Nem sempre há um acordo ou sequer uma comunicação entre essas duas partes. Nós SABEMOS de algo, mas não conseguimos SENTIR dessa forma. 
É o caso da pessoa que consegue listar todas as qualidades que tem, mas que ainda assim, sente-se inferior às outras; de quem tem um incômodo muito grande para resolver e sabe qual seria a solução, mas que ainda assim, não consegue executá-la. E a lista de situações em que essa "incongruência" aparece é imensa na vida de cada um de nós. 
Essa cisão, ou melhor dizendo, essa tensão que se estabelece entre esses pólos (razão e emoção) causa um grande desconforto e sofrimento. Muitos são os que vão em busca da terapia justamente para conseguirem entender por quê não conseguem fazer essa ou aquela coisa sabendo que aquilo é o melhor? Por que não conseguem fazer diferente, sentir diferente? Mas não se perguntam o quê será que acontece naquele momento, naquela situação, para que haja essa tensão? O que acontece que não conseguem dizer o que querem dizer, agir de acordo com o que sentem, ou sentir de acordo com o que pensam e sabem ser real e verdadeiro. O que há ali? Que fechamento é necessário?
Em gestalt-terapia chamamos esse saber com sentimento de "awareness"; é aquela sensação de "cair a ficha"; quando não só nos damos conta de algo com a nossa racionalidade e com explicações lógicas, mas sentimos essas coisas. Não somente entendemos algo, mas compreendemos esse algo. É essa compreensão, esse cair de ficha que nos possibilita fluir de forma íntegra no mundo, sem que razão e emoção façam um verdadeiro cabo de guerra dentro de nós. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cada um sabe onde lhe aperta o sapato

Volta e meia, quando se vê alguma pessoa triste, brava ou chateada por algum motivo alguém dispara um "tem tanta gente no mundo em situação pior do que a sua, morrendo de fome", etc...Acredito que seja na intenção genuína de ajudar, de colocar o outro pra cima e tentar fazer ver o lado bom das coisas, mas também chamo a atenção para a violência implícita que existe nessa frase. Dizer que tantas outras pessoas estão em situação pior do que a sua, coloca um preço, um "valor" à sua dor - e, curiosamente, geralmente um valor menor do que as outras dores do mundo. Esse juízo de valor do quanto se deve sofrer ou lamentar por determinada coisa, do quanto se deve sentir dor, não cabe a ninguém...só cada um sabe o quanto uma unha encravada pode lhe doer e incomodar, o tanto de coisas que podem estar atreladas àquilo.
É evidente que existem outras milhares de dores, sofrimentos e situações difíceis nesse mundo. Crianças morrendo de inanição, enchentes, desabamentos, entre outros. Todas essas situações são difíceis sim, extremamente complicadas. E algumas das pessoas que passam por elas, conseguem encontrar uma forma de sorrir, de seguir adiante, de serem otimistas e felizes. Que bom! Pra outras, um divórcio repentino tira o chão debaixo dos seus pés. E ponto! São situações diferentes, dores diferentes e pessoas diferentes. Nem melhores ou piores umas das outras...apenas diferentes. E aliás, tem alguém competindo pra ver quem sofre mais, qual sofrimento é "melhor" ou mais digno?
Conheço algumas pessoas que chegam a se sentir culpadas quando não estão felizes com alguma coisa em suas vidas, quando se sentem tristes, desanimadas e "têm tudo para serem felizes". Sentem culpa por não estarem satisfeitas e contentes (como se a própria insatisfação já não bastasse, ainda há o peso da culpa). É aí que tudo embola! Justamente por essa noção empurrada goela abaixo e impregnada em nós de que "tem tanta gente em situação pior", nós literalmente damos licença e poder para que o outro nos diga o que deve nos deixar felizes, tristes, o que é digno de ser sofrido ou não. Se há um desgosto, se há uma insatisfação (seja ela qual for e de que ordem for), então não se tem tudo. Falta alguma coisa...e essa falta é real e suficiente para você. Da mesmíssima forma que a falta de comida e água é real e desesperadora para milhares de pessoas mundo afora. Nem pior, nem melhor. Até porque, cada um sabe onde lhe aperta o sapato.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Formar de novo uma nova forma

O post de hoje começa com uma citação de Cecília Meireles: "quanto mais me despedaço, mais fico inteira e serena". Gosto do que a frase representa e principalmente, gosto de ver que algumas pessoas sabem "intuitivamente"que muitas vezes é preciso destruir algumas coisas que foram construídas durante muito tempo para que seja possível se encontrar no meio dos destroços e poeira.
Há pouco tempo um de meus clientes se queixou comigo das emoções e questões difíceis que surgiam na terapia. Lembrei dessa citação e comentei com ele que às vezes nós acabamos por fazer uma reforma na casa enquanto moramos lá. E é exatamente isso que acontece em terapia: uma reforma. Como toda reforma, faz bagunça, barulho, incomoda; as coisas que antes estavam limpas e organizadas de repente se perdem num pandemônio. Mas se for do nosso desejo viver numa casa melhor, a reforma é necessária. Caso contrário, vive-se ali...com goteiras, umidade, (in) cômodos desconfortáveis e caindo aos pedaços. 
Essa é a beleza da frase de Cecília Meireles. A sensibilidade de perceber que despedaçar-se não necessariamente é perder-se, mas pode representar justamente um encontro. Que se desfazer de coisas velhas, que nos foram empurradas goela abaixo, velhas crenças, velhas formas de lidar com as coisas, de olhar a vida e a nós mesmos, abre um espaço enorme pra que outras coisas ocupem esse lugar. Para que se possa descobrir novas formas; uma forma mais sua, que tenha a sua cara, seu jeitinho de cima a baixo e que também esteja aberta a mudar de  uma hora pra outra, se for da sua vontade. É tirar as roupas velhas e surradas do armário e abrir espaço para as roupas novas, que ficam lindas em você! Mas é aquela velha história...as "roupas" não se arrumam magicamente.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A história que eu-corpo conto

É impressionante como nosso corpo conta uma história a nosso respeito. Como é literalmente um espelho do nosso jeito de estar no mundo e nas relações, afinal de contas, é o instrumento que temos para estar e ser no mundo. É por meio dele que nos comunicamos, seja com a fala, um olhar, um sorriso, com as mãos, um abraço, um gesto qualquer. A verdade é que nós somos o nosso corpo (somos nosso rim, nosso pé, nossas mãos). Estamos tão impregnados dessa cultura extremamente racional, tão acostumados a desenvolver nossa lógica, tão presos à "cabeça" que todo o resto fica esquecido, anestesiado - nossa sensibilidade, fluidez, nossa leveza. Já repararam como os bebês respiram? Movimentos amplos, completos, que envolvem tórax e abdomem. Vamos aos poucos desaprendendo a respirar. A respiração torácica, aquela curtinha e presa no peito, que mal se nota que acontece, é a respiração da maioria das pessoas nos dias de hoje.
Recentemente tenho tido a oportunidade de experimentar a dança e pude começar a me dar conta mais claramente dessas coisas. Através da dança, por exemplo, pode aparecer nossa necessidade de controle e ansiedade na dificuldade em se deixar conduzir, em se entregar ao inesperado do próximo passo e às mãos de um outro alguém, nossa rigidez de movimentos, nossa insegurança. Como também há a possibilidade de nosso corpo nos mostrar nossa fluidez, força, agilidade, foco, receptividade. Todas essas coisas, que aparecem no momento da dança, não dizem respeito somente à dança, mas ao modo como nos relacionamos no mundo. Diz respeito a nós, a quem somos e como somos. A ansiedade que aparece ali, aparece em outras situações também, a fluidez e leveza que aparecem no momento da dança, também fazem parte de quem somos e com certeza se manifestam em outras situações da nossa vida cotidiana.
Volto a citar uma frase de Fritz Perls que já citei outras vezes e diz: "esqueça a razão e recupere os sentidos". Quando a razão entra na dança, geralmente erramos os passo; tropeçamos em nosso próprios pés. E no entanto, quando nos deixamos sentir a música, a condução, o momento presente, o que nosso corpo nos mostra e tem vontade de fazer, tudo flui. Executamos passos que nunca aprendemos com a razão e a explicação.
Nossas dificuldades, entraves, podem ser percebidos e trabalhados também com e no nosso corpo. Por muito tempo cultivou-se a idéia de que é com a razão e a praticidade que se resolve e compreende tudo, mas o fato é que nós somos corpo-mente (e não corpo e mente); somos uma unidade, sentimos, falamos com cada párticula do nosso ser. Negligenciar isso é de uma violência sem tamanho para com nós mesmos.
Então proponho àqueles que puderem e quiserem, que busquem alguma atividade física não-mecânica (levantar peso não servirá a esse propósito) e tentem sentir e olhar pra esse espelho, e ouvir o que o seu corpo tem a dizer a seu respeito.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O fazer do psicólogo

O post de hoje é mais direcionado aos meus colegas de atuação, mas nem por isso menos importante para todos nós em nossas diversas relações cotidianas. 
Ser psicólogo e psicoterapeuta não é tão fácil como muitos podem pensar que seja. A escuta, para que seja realmente uma escuta, deve ser livre de pré-conceitos e julgamentos. A Gestalt-terapia tem um cuidado todo especial para que essa escuta aconteça. 
O falar desenfreado de um determinado paciente não o encaixará num rótulo de histeria, aquele paciente que passa sessão atrás de sessão falando de amenidades, artes, música, cultura, não é "um paciente que está fugindo ou se esquivando de algo", o silêncio nem sempre é algo que necessita ser preenchido. Não há regras, não há generalizações. Todos esses comportamentos por parte de nossos clientes, dizem coisas, sim. Dizem do modo de eles funcionarem no mundo, nas relações, dizem de suas necessidades. Nossa tarefa, enquanto psicólogos, acredito eu,  não é colocar um rótulo imediato às ações e comportamentos de nossos pacientes e a partir disso, congelá-los naquela posição de "histéricos", "deprimidos", "arredios", etc. É preciso estarmos atentos e ouvir não somente as palavras, mas o que está sendo dito com o corpo, com os olhos, com a forma com que nosso paciente se relaciona conosco.
Aquele que vem à consulta e passa seu tempo falando de amenidades está escolhendo passar aquele momento assim. Talvez esse seja o único momento do seu dia, da sua semana, em que pode conversar com alguém sobre essas coisas. O paciente que fica uma hora inteira em silêncio talvez não tenha fora do consultório espaço para ouvir seus próprios pensamentos. A demora para que a terapia comece a "deslanchar" talvez traga em si um pedido de "vá com calma comigo, eu preciso sentir aonde estou pisando, preciso confiar em você".
Lembro de certa vez ter ouvido um conto que falava de uma índia da tribo xingú que estava à beira de um rio fazendo vasos de barro. A cada vaso que terminava, seu filho pequeno que estava com ela pegava o vaso e o estilhaçava no chão. Isso aconteceu seguidamente, até que uma observadora perguntou porque a mãe não fazia nada a respeito. E ela respondeu: "se ele precisa quebrar os vasos, eu preciso continuar a fazê-los". Acredito que muito do fazer do psicólogo seja desempenhar papel muito parecido com a mãe da tribo xingú.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Um mundo, muitos olhares


É incrível como às vezes um mesmo fato, um mesmo comportamento por parte de uma pessoa para com outra gera sentimentos, interpretações e até mesmo todo um modo de ser no mundo diferentes. Irmãos criados pelos mesmos pais, podem perceber um mesmo comportamento deles de formas tão singulares... todo o amor e respeito que eles dão podem ser sentidos por um como sufocante, superprotetor e pelo outro como falta de afeto, descaso. O que quero dizer é que a lente que usamos para enxergar o mundo afeta, e muito, nossa relação com esse mundo, o modo como nos construímos. Aquela passa a ser a nossa realidade, a nossa verdade, e sentimos  essa realidade tão fundo, com cada partícula do nosso ser. Mas, quando usamos um desses óculos de visão noturna, por exemplo, e vemos tudo preto e verde, significa que o mundo é assim? Aquilo que vemos é a realidade absoluta ou seria apenas a nossa realidade sentida (mas não menos real), momentânea, percebida através de um filtro (nesse caso os óculos de visão noturna)?
Questionar isso, questionar nossos filtros, acredito que traga toda uma compreensão diferente das coisas. Porque quando temos claro que temos um filtro a tudo aquilo que ouvimos, vemos, sentimos, que temos uma bagagem que é nossa e que afeta nossa forma de perceber o mundo e as coisas, nós assumimos para nós a nossa responsabilidade em tudo isso. Responsabilidade - habilidade de responder - nossa implicação naquilo que nos acontece, em como nos relacionamos com o mundo e como o mundo se relaciona conosco. 
Se acreditamos piamente que tudo aquilo que sentimos e vemos vem unicamente de fora, do mundo externo, de como os outros são, como os outros agem conosco, etc., nos colocamos num lugar de extrema impotência, vulnerabilidade e sem escapatória. Mas quando nos damos conta da nossa parte nisso, nos "empoderamos" das coisa que nos acontecem e da nossa vida. Temos uma escolha, podemos decidir o quê fazer com aquilo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

À procura da felicidade

Minha amiga e colega de profissão Juliana Schmidt me mandou um email com uma mensagem interessante. Óbvia, mas que acredito que poucos a incorporem.
Dizia a mensagem que a FELICIDADE (assim mesmo, em letras maiúsculas) não existe. Existe a felicidade, aquela, em doses homeopáticas, que acontece várias vezes ao dia nas mínimas coisas. A felicidade de um telefonema, de ler um bom livro, de comer sua refeição predileta, ouvir músicas das quais se gosta, um beijo, um abraço.
A nossa cultura venda uma idéia de que a felicidade é algo a ser alcançado, algo assim, distante, lá longe, que quando se atinge, dura uma eternidade, é "inquebrantável". E mesmo sem querer, acredito que embarcamos nessa idéia de mala e cuia. Vivemos esperando pelo dia em que teremos mais dinheiro pra poder viajar e comprar tudo aquilo que quisermos, pelo dia em o príncipe (ou princesa) encantado vai aparecer e preencher o vazio em nossas vidas, pela família grande e feliz, pelos filhos carinhosos e que não dão jamais trabalho algum. Aquela perfeição de filmes e novelas que simplesmente não existe, visto que somos todos humanos, passíveis de erros, de emoções intensas, de expectativas altas e frustradas.
Tendo em mente que somos únicos, o próprio conceito de felicidade varia de pessoa para pessoa. Fica complicado então, despejar essa responsabilidade nos ombros de alguém (seja a família, o amigo, o amor). Quando se olha pra frente, para aquilo que ainda não aconteceu, que talvez - e só talvez - um dia vá acontecer, perde-se a consciência de tudo que está acontecendo nesse exato momento, no presente. Daquelas coisas que nos dão alegria, que nos trazem satisfação, efetivamente naquele exato momento. Que são mais reais do que qualquer fantasia de futuro e no entanto, não são notadas e reconhecidas porque não se está ali, presente.
Proponho então, que cada um busque no seu dia-a-dia as coisas que lhe fazem feliz. Tentem reconhecer esses momentos quando eles acontecem lhes dêem o devido valor. "Melhor ser minimamente feliz várias vezes ao dia do que viver eternamente em compasso de espera" (Leila Ferreira, jornalista).

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Espelho, espelho meu...

É incrível pensar nas diversas funções que cada pessoa e cada relação podem ter em nossas vidas.
Sejam da natureza que forem essas relações, tenham essas pessoas as características e personalidades que tiverem, o que nos proporcionam, invariavelmente, é uma grande escola, um grande aprendizado. Uns irão dizer que aprenderam o que não fazer, o que não repetir, ou que exemplos seguir, em quais qualidades se espelhar, que aprenderam sobre isso e aquilo da vida com determinadas pessoas.
Penso que tudo isso é possível, sim e muitas vezes é assim que acontece. Mas de uns tempos pra cá, cada vez mais fico convencida de que nosso maior aprendizado com as pessoas e com a relações que travamos com elas é acerca de nós mesmos. A função que o outro desempenha em nossa vida, entre outras tantas, é de um espelho. Um espelho que nos mostra aspectos tão nossos, mas que por alguma razão não conseguimos ver sem a ajuda desse espelho, da mesma forma que não conseguimos ver nosso próprio rosto sem que estejamos refletidos em algo.
Nossas relações nos mostram o quanto nos "sacaneamos", o quanto nos tratamos bem; nos mostram nosso desejo de controle, nossa frustração por expectativas não correspondidas, nossa ira, nossa fragilidade - e a lista é longa.

Tenho experimentado encarar as pessoas que fazem parte da minha como um espelho de mim e de quem eu sou e mesmo nos momentos de conflitos, talvez até principalmente nesses momentos, tenho conhecido muito mais de mim e lidado com as coisas de uma outra forma, mais enriquecedora em todos os aspectos. Por isso decidi dividir essa minha impressão com vocês, leitores. Para cada um de vocês que decidir encarar essa nova perspectiva, será uma experiência diferente, com aprendizados únicos. Espero que olhem com carinho para esse espelho, sem julgamentos do que possam ver, mas que acolham essas características de forma que possam posteriormente decidir o que fazer com elas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sinfonia agridoce

Depois de um tempo sem escrever, volto hoje com algo de que já falei em um ou outro post antes, mas mesmo o "repeteco" traz algo de novidade, um novo ângulo, um novo aspecto. Além disso, certos temas parecem necessitar serem revistos volta e meia, cozinhados e digeridos mais lentamente.
Gosto bastante de prestar atenção em letras de músicas. Acho a música um forma linda de expressar sentimentos e emoções humanas que, quando musicados, ganham um sentido único, que ultrapassa as próprias palavras.
Atualmente um trecho de uma música em particular chamou a minha atenção de uma forma diferente. Uma das músicas do (ou da) Legião Urbana diz o seguinte: "toda dor vem do desejo de não sentirmos dor" e foi essa frase que me trouxe aqui hoje.
Como é difícil ficar com a dor quando ela parece. Como é difícil aceitá-la, acolhê-la, entender o que nossa dor nos diz. E é irônico que o próprio desejo de não sentir mais dor acabe por ampliá-la. Negar, fugir ou mesmo se revoltar contra esse sentimento e sensação não muda o fato de que ele está ali, não faz com a dor deixe de existir no mundo. Inclusive acrescenta à equação uma boa dose de frustração pela falta de controle dos acontecimentos e coisas que podem ou não causar dor e desconforto. Então por que continuamos a bater o pé feito crianças birrentas? Se o próprio desejo de não sentir dor traz mais dor e angústia, por que não nos permitimos sentí-la?
E se nos deixássemos sentir mais as coisas (inclusive aquelas coisas que nos despertam sensações desagradáveis)? Se deixássemos de lado nosso julgamento a respeito das coisas que sentimos? Se nos permitíssemos "saborear" (como se saboreia uma comida que nunca se comeu antes, tentando identificar cada ingrediente presente na receita) nossos sentimentos? O que aconteceria?
Que ansiedades, fantasias (digo fantasias porque enquanto elas não acontecem no presente só existem na nossa imaginação), se escondem por detrás dessa resistência em realmente sentir a dor, a tristeza, a raiva e outros tantos sentimentos avaliados como "ruins" socialmente? O que você, leitor, acha que poderia acontecer com você se se permitisse senti-los?
Não é um exercício fácil, não são perguntas fáceis de serem respondidas e mais ainda, assimiladas, compreendidas para além da racionalidade. Mas há que se começar de algum lugar e toda grande jornada, começa com um pequenino passo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Escutatória

Esse é (mais) um texto de Rubem Alves. Gosto muito da beleza e profundidade simples do texto.
Escutar pode ser mais difícil do que parece. Arrisco a dizer que muitas vezes é a falta de uma escuta em suas vidas que faz com que as pessoas busquem a terapia. Elas buscam talvez, antes de qualquer outra coisa, uma escuta.

"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.

Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.

Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto..."

sábado, 11 de junho de 2011

O prazer nosso de cada dia

Quantas vezes no dia você faz algo que lhe dê prazer e alegria, sem alguma razão especial para isso? Quantas vezes você se dá um agrado, compra aquele doce cheio de calorias, aquela roupa que você gostou, aquele aparelho de TV mais moderno (ou qualquer outra coisa que lhe deixe feliz), sem pensar em como na verdade você deveria estar economizando pro futuro, ou para comprar algo "mais importante".
Você se permite ficar um dia inteiro de pijamas, sem fazer absolutamente nada além de ver TV, ouvir música, descansar, sem se sentir culpado por isso? Sem aquela pontinha de remorso e a sensação lá no fundo de que "deveria" estar fazendo algo de produtivo?
Permita-se...permita-se atender às demandas do seu organismo. Se tem vontade e necessidade de ficar em casa sem fazer nada, fique. Se a vontade surgir numa terça-feira no meio da tarde, enquanto você estiver no seu expediente de trabalho, busque outras formas possíveis de encontrar algum prazer, alguma realização naquele momento; ou no máximo adie esse cuidado e essa vontade para quando você chegar em casa. Tome um banho gostoso e demorado vez ou outra.
Nós estamos muito impregnados com os "deveria" do meio. Nossa cultura é a cultura da pressa, do "tempo é dinheiro", da proatividade, do "seja um líder", "seja excelente", e muitos outros modos de nos dizerem como temos de viver nossa vida. Já mencionei outra vez uma frase do criador da Gestalt-terapia, que é: "Quanto mais a sociedade exige que o indivíduo corresponda aos seus conceitos e idéias, menos eficientemente ele consegue funcionar".
Proponha-se a fazer todo dia, pelo menos uma coisa como um agrado a você. Simplesmente porque você merece. Saber aquilo que nos dá prazer, nos dá a sensação de realização, e reservar algum tempo de nossas vidas para isso, para nós.
Muitas vezes nem precisa ser algo grandioso. O prazer e a sensação de estar tendo um gesto de cuidado consigo mesmo pode vir de um cafezinho tomado com calma, de ouvir uma música que se gosta, de 5 minutos de conversa ao telefone com alguém que lhe seja querido; enfim, de inúmeras coisas que irão variar a cada dia.
Dedique-se a descobrir essas coisas, diariamente. Seja seu amigo, ofereça a si mesmo certos cuidados e mimos.

E aqui vai uma música que ilustra a idéia. Um bom fim de semana à todos!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A repetição em nossas vidas

Imagino que todos já tenham experienciado a sensação de algum "padrão" em suas vidas: "não consigo fazer sobrar dinheiro, não importa o quanto eu tente", "sempre me envolvo com quem não me dá valor", entre tantas outras situações que cada um de vocês poderá identificar. Estes foram apenas exemplos simples para mostrar algo que é "comum" em nossas vidas - a repetição.
Uma das leis que regem a nossa percepção é a Lei do Fechamento. É através dessa lei que, ao observarmos as seguintes imagens, vemos um quadrado e sentimos a vontade de completar o círculo, respectivamente.
"Mas o que tem a ver a tal Lei do Fechamento com as situações que se repetem na minha vida?". Tudo!!! Essa mesma necessidade que temos de fechar uma figura, temos no que diz respeito às situações cotidianas. Cada vez que uma necessidade emerge, que alguma situação desponta pedindo para que seja resolvida, procuramos da melhor forma possível dar um fechamento para isso; seja satisfazendo a necessidade, resolvendo a situação que tornou-se figura. Quando por algum motivo, não encontramos no meio possibilidades de dar um fechamento que nos seja satisfatório, ainda assim, encontramos o melhor jeito possível de "fechar" aquela gestalt. No entanto, como não foi algo que realmente satisfez e pôde dar a questão por encerrada, volta e meia aquela situação "vem à tona", torna-se figura novamente, pedindo novamente um fechamento satisfatório. Se por inúmeras vezes nos vemos impossibilitados de satisfazer essa nossa necessidade, ela cai no esquecimento, vira hábito.
Logo, essas situações que continuam se repetindo em nossas vidas (sejam elas quais forem e de que ordem forem), nada mais são do que situações e necessidades que ficaram inacabadas e que "voltam" pedindo um fechamento, mas que por termos sido já tantas vezes de fechá-las, nem nos damos mais conta delas. Re- petir : pedir de novo. O homem que parece se sentir atraído sempre por mulheres mandonas, a mulher que diz ter "dedo podre", o filho que se sente sufocado pela superproteção dos pais. Situações que se repetem. O jeito que nós, dentro da nossa sabedoria e capacidade intrínseca de auto-regulação encontramos de fechar aquilo que está incômodo, visto que ficou em aberto. Essas repetições podem sim, trazer sofrimento mas é a melhor forma encontrada por nós mesmos de dizer que algo precisa ser visto; algo precisa de um fechamento que nos permita encerrar um ciclo e abrir outro, totalmente disponíveis e inteiros para o novo.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Para refletir

Esse texto chegou até mim. Achei as reflexões simples e profundas e por isso, divido aqui alguns trechos do texto com vocês - é longo, mas vale à pena. Possamos todos "estourar" como as pipocas!
Pipoca (Rubem Alves)
  "A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
  Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

  Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
  É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.  "Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.
Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. (...) São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira..."
 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O contexto de cada um

  Já falei em outros posts  sobre como as coisas que nos impactam nos outros dizem de nós. Hoje a idéia é refletir sobre como o modo de agir, pensar do outro diz dele.(vide Projeção I,II,II e IV e O caminho do meio)
  Na gestalt-terapia existe o conceito de campo, que é definido como uma totalidade de acontecimentos que se interelacionam. É um todo, formado de várias partes que se interelacionam - "o todo é diferente da simples soma das partes". Se uma das partes desse todo, desse campo, se altera, todo ele muda. 
  De acordo com a teoria de campo, uma pessoa só pode ser compreendida levando-se em consideração o contexto (campo) onde está inserida. Estamos inseridos em não só um, mas em vários todos, que podem ir se ampliando ou afunilando, dependendo de como olhamos para eles: você  é parte do todo que é sua família, que é parte do todo que é sua cidade e assim por diante.
  Tendo isso em mente, quando alguém se coloca de determinada forma, age, fala, se expressa de forma a causar aprovação ou desaprovação do meio, em ambos os casos, sua maneira de ser diz não somente dela, mas do campo no qual ela está inserida e de como ela o percebe. Irmãos gêmeos idênticos fazem parte de um "mesmo" campo, mas cada um assimila, sente e o significa de um jeito. Ao passo que um pode ter percepções otimistas frente à vida, o outro pode perceber a vida de modo mais duro, pessimista; o campo é o mesmo, mas as partes que o constituem se interelacionam de forma diferente para cada um deles, formando um todo único.
  A importância de ter essa compreensão serve para que tenhamos claro que para poder compreender alguém, não basta olhar para alguns (ou vários) comportamentos isolados, não bastam testes de personalidade ou meia-dúzia de palavras. É preciso ver aquele ser humano como uma totalidade, que está inserida num contexto, afetando e sendo afetada por este, e que a sua maneira de perceber o mundo é única e, ainda que ele nos fale tudo que puder ser dito sobre esta realidade, ainda assim não teremos como apreendê-la totalmente (apenas uma aproximação), pois estaremos orientados pela nossa própria percepção. Sempre serão olhares diferentes, ainda que seja a mesma paisagem. 
  Parece algo simples de ser compreendido e colocado em prática, mas não é. Temos a tendência, o vício, de olhar para os comportamentos e personalidade dos outros com a nossa perspectiva e significá-la de acordo com aquilo que faz parte do nosso campo. Perls dizia que "Quanto mais a sociedade exige que o indivíduo corresponda aos seus conceitos e idéias, menos eficientemente ele consegue funcionar" e que "o primeiro e último problema do indivíduo é integrar-se internamente e ainda assim, ser aceito pela sociedade". Por maior que seja o estramento que o outro nos cause com seus comportamentos e atitudes, e por mais que muitas vezes esses comportamentos causem a ele dose grande de sofrimento, de alguma forma agir assim fez sentido para ele um dia... e talvez ainda faça.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

"Vai por mim"

Um amigo o procura pra falar sobre alguns problemas e dificuldades que está tendo. Enquanto o ouve, automaticamente você vai dando interpretações pras coisas que está ouvindo, analisa a situação do seu jeito e devolve para ele com alguma sugestão, conselho ou ponto de vista. Todos já passaram por uma situação assim. O contrário também acontece; você procura alguém para falar sobre suas dúvidas, inquietações e quase sempre, vai ouvir uma opinião ou conselho em troca. Às vezes a "ajuda" nem é solicitada e vem mesmo assim, na forma de "eu só quero o seu bem", "falo isso pra te ajudar", "acho que você deveria fazer assim (ou assado)".
Aprendemos com isso duas coisas que estão tão impregnadas em nossa cultura, que mal nos apercebemos:
- pensamos saber o que é melhor pro outro;
- acreditamos que o outro sabe o que é melhor para nós.
Quem nunca ficou incomodad0 - para dizer o mínimo - de ver alguém querido fazer algo que, de acordo com o nosso julgamento, é danoso ou errado? Quem nunca ouviu dos pais, familiares e amigos "ordens" (às vezes veladas) do que fazer, pois "eles sabem o que é melhor pra você, são mais experientes e só querem o seu bem"? Não raro, quando algo dá errado e nos frustramos, ainda ouvimos um "eu te avisei, mas você não me escuta..." e vamos reproduzindo isso. Compramos a idéia; acreditamos, lá no íntimo, que o outro sabe mais de nós do que nós mesmos, que ele tem as respostas, que saberá o que é melhor para nós.
Somos, ao mesmo tempo, oprimidos e opressores. Por não estarmos em contato, integrados com nossas necessidades, com aquilo que nos pertence e a ninguém mais, invadimos os limites alheios com nossos julgamentos e verdades, bem como somos atropelados em nossos limites pelos julgamentos dos outros.
Quantas e quantas pessoas procuram a terapia esperando que o terapeuta lhes diga o que fazer, que decisões tomar, como agir. E qual não é o tamanho da frustração quando não lhes damos essas respostas...que bom que não lhes damos as respostas! Sinal de que acreditamos na total capacidade do nosso paciente de fazer as escolhas que lhe façam sentido; para ele, não para mim, terapeuta. Caso contrário, somos apenas mais uma pessoa a dizer que sabe mais dele do que ele mesmo; somos mais um opressor.
Para quem quiser refletir mais a esse respeito, outro post que aborda essa questão por um outro viés está aqui.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Oficinas da Saúde

Pessoal, minha colega, dona do Espaço Terapêutico Tanello Picanço está oferecendo algumas Oficinas na área da Saúde e eu estou ajudando a divulgar.
Quem tiver interesse, pode entrar em contato e pegar mais informações no telefone do cartaz!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Impasses

Quando nos deparamos com algum impasse ou conflito entre duas ou mais opções, geralmente começamos a enumerar uma lista mental (quando não passamos essa lista para o papel) dos prós e contras de cada opção e por final, costumamos decidir por aquela opção que parece mais cheia de prós do que de contras. Não raro, escolhemos a opção "dos males o menor", pois nenhuma das opções disponíveis nos parece atraente e realmente satisfatória.
Além disso, é comum que em situações assim, de impasse, em que nenhuma das opções parece se adequar às nossas necessidades, fiquemos paralisados, como uma corda de cabo de guerra sendo igualmente puxada em direções opostas, absurdamente tensionada e sem sair do lugar.
Ficamos tão angustiados e ansiosos por sair do impasse sem que tenhamos sequer conhecido realmente o lugar em que estamos. Saímos do aqui-e-agora, do momento presente, para nos lançarmos em projeções do futuro que ainda não existe.
Você, leitor, pode argumentar que é ruim ficar nessa angústia, que ninguém gosta de se sentir triste, confuso, em conflito, sem saber pra que lado ir. E eu concordarei com você. Ninguém gosta. Mas vou usar aqui uma metáfora que ouvi dia desses: na vida, temos alguns pântanos e pântanos são atravessados colocando os pés na lama, nos sujando; mas ainda assim, são atravessados.
Na GT tiramos o foco do "próximo passo", ficamos onde estamos e só então partimos para o que é necessário fazer, conhecendo a situação do cliente no aqui-e-agora. Se há conflito, nosso foco não será sobre as várias possíveis decisões a serem tomadas, mas o próprio conflito em si : Como o conflito ocorre? Que forças estão atuando nele? Qual o contexto em volta dele?
Citando Rodrigues (2008),
"(...) quando aplicamos o ponto de vista gestáltico, necessariamente nos perguntamos: você já sabe para onde quer ir ao sair? Você já sabe quais são todas as escolhas possíveis? Para responder a tais perguntas, não podemos 'sair', pois são questões relacionadas ao momento anterior a uma saída. Precisamos ficar para respondê-las."
Quando não conhecemos o lugar onde estamos, suas possibilidades, características, sentimentos, sensações, etc., deixamos de conhecer e compreender verdadeiramente as opções que temos; corremos o risco de fazer uma escolha impensada, que nos levará para um caminho aonde não queríamos realmente estar - é o caso da escolha "menos pior".

Referência: Rodrigues, Hugo Elídio. Introdução á Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Editora Vozes, 2008.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O novo com novos olhos

É curioso como as mudanças podem ser assustadoras. Quando algo na vida "sai do lugar", toma uma nova configuração ou se reestrutura, levamos um certo tempo para conseguir lidar com essa nova configuração - isso é o que chamamos de crise. Para a psicologia, o conceito de crise é explicado como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional. Corresponde a momentos da vida de uma pessoa ou de um grupo em que há ruptura na sua homeostase psíquica e perda ou mudança dos elementos estabilizadores habituais.
A ansiedade e angústia frente às mudanças vêm do desconhecido. Por mais que alguém sinta-se incomodado e encontre-se em sofrimento com determinadas situações em sua vida, ainda assim, este sofrimento e incômodo traz também o conforto de ser conhecido. Mesmo que seja difícil viver dessa forma, a pessoa sente que "já está acostumada" com a situação. No caso de uma mudança, mesmo que seja uma mudança naquilo que mais lhe incomodava, é quase como se lhe faltasse o chão. O não-saber, o deixar ser, largar a mão do controle, é por demais assustador.
Quando alguém procura a psicoterapia incomodado com algo em sua vida, geralmente está experienciando o conflito entre continuar no seu lugar conhecido, embora de sofrimento, e sair desse lugar e lançar-se ao desconhecido. Como já falei em outros posts, o neurose para a GT caracteriza-se justamente na rigidez, na cristalização em uma determinada situação. Viver com fluidez, de maneira saudável, consiste em adaptar-se as diversas situações da vida. Como a árvore que se curva em dias de muito vento para não se partir, mas que retorna à sua posição ereta na calmaria. O novo traz consigo grande oportunidade de crescimento, de aprendizado, quando se olha para o novo com novos olhos.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Encerrando ciclos

Recebi um email essa semana com uma mensagem cuja autoria foi atribuída a Fernando Pessoa. Separei alguns trechos que considerei mais interessantes pra dividir com vocês, leitores. Nesses trechos, muito do jeito gestáltico de viver está presente. Vou comentando ao longo do texto:
"Sempre é preciso saber quando uma etapa
chega ao final..
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Quando nos prendemos a algo que já não faz mais parte do momento presente, ou quando nos lançamos ao futuro com fantasias, expectativas, temores, nos ausentamos do único momento realmente real e no qual é possível fazer alguma coisa: o presente.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. É o que chamamos de "fechar Gestalts". Dar um fechamento às situações que ficaram inacabadas para nós.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos
entender as coisas que acontecem conosco.
Mesmo quando buscamos a compreensão para algo que nos afeta hoje no passado, esse passado se manifesta no presente. É com o olhar do aqui-e-agora que ele deve ser percebido. Como HOJE aquilo que aconteceu lá atrás age em mim? Aborda-se o passado, sim, mas não é olhando para trás e sim, olhando para como ele se manifesta no presente.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora.
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. (Vide Oração da Gestalt, ao lado). Podemos esperar coisas do outro e da vida, desde que tenhamos muito claro que isso não quer dizer que estar expectativas têm que ser correspondidas. O outro nos corresponderá na medida do que é possível e viável para ele e a recíproca é verdadeira. Não faz sentido se frustrar com uma criança que recém está engatinhando, por ela não sair andando; muito embora esperemos que ela ande em algum momento.
Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. A dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Todos passamos por situações difíceis e dolorosas na vida. Reconhecer a dor e acolhê-la faz parte do processo natural de luto. Mas a dor, assim como o luto, tem fim. Mergulhar no sofrimento (que é contínuo) é opcional. A questão é: "o que eu quero fazer com isso?; O que eu vou fazer com o que me aconteceu?"
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Novamente a questão do viver no aqui-e-agora, onde temos tudo aquilo de que necessitamos, onde estão nossas possibilidades de ação.
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa. Nada é insubstituível,
um hábito não é uma necessidade.
(Vide posts sobre ajustamento criativo e ajustamento neurótico).
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Aquilo que um dia foi considerado "necessário" hoje em dia não serve mais. O novo pede respostas novas.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Assegura-te de que sabes bem quem és tu própria, antes de conheceres alguém
e de esperares que ele veja quem tu és..."

domingo, 24 de abril de 2011

O seu problema é problema meu...(ou não)

Nosso jeito de gostar das pessoas por vezes pode ser bem "curioso". Todos já devem ter experimentado ao menos uma vez na vida, a agonia de ver alguém de quem se gosta sofrendo por algo, indo por um caminho que se julga errado.
É válido ficar comovido com o sofrimento de alguém de quem se gosta, com as dificuldades que essa pessoa querida passa. É válido querer ajudar e é válido inclusive, dar sua opinião e conselhos, afinal de contas, o que essa pessoa irá fazer com os conselhos é escolha dela e cabe única e exclusivamente a ela. O que acontece muitas vezes, no entanto, é que sofremos o sofrimento do outro. Conheço não uma ou duas, mas várias pessoas se apossam das dificuldades e problemas alheios. Esse "sofrimento" pelo outro se manifesta de várias formas, inclusive raiva; aquela vontade de abrir a cabeça do outro ao meio pra quem sabe enfiar algum juízo ali, pra que ele veja aquilo que estamos vendo ou tome alguma atitude diferente.
Entramos nos problemas e dificuldades do outro, não raras vezes acumulando e somando com nossos próprios problemas. Nos sobrecarregamos com uma carga que não nos pertence!
Da mesma forma que temos nosso livre arbítrio e somos responsáveis pelas escolhas que fazemos em nossa vida, em nossos relacionamentos, em nossa profissão, etc. e somos responsáveis pelas conseqüências dessas escolhas, também a pessoa a qual queremos bem o é (por suas escolhas, por sua vida). Querer caminhar com as pernas do outro tira dele a possibilidade de aprender algo por si só; tira a possibilidade de que ele encontre as suas respostas, as suas soluções, descubra seu potencial, além de ser extremamente frustrante e angustiante para aquele que gostaria de poder fazer pelo outro.
Agora  a questão que realmente é de "queimar a mufa" nessa história toda é: A serviço de quê se toma para si um problema e uma dificuldade que é do outro? Infelizmente - ou felizmente! - eu não possuo a resposta para essa pergunta. É algo que cada um que se identifica com essa situação terá de descobrir...

terça-feira, 19 de abril de 2011

O "bicho papão" da terapia

O psicólogo, como outras profissões, ainda é muito mistificado. O senso comum maioritário ainda está impregnado de preconceitos como "quem precisa de psicólogo é louco/depressivo/bipolar, etc.", "terapia é bate papo e blablabla", "não preciso de um psicólogo me dizendo o que fazer", entre outros. Em algumas situações do dia a dia, as pessoas chegam a pensar que nós, psicólogos, possuímos alguma habilidade telepática; ficam tensas, como medo de dizer qualquer coisa e serem "analisadas" e/ou rotuladas. Calma, pessoal!
É compreensível que a terapia possa ser assustadora a princípio. Expor sua vida, seus  problemas e dificuldades, seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, que às vezes é difícil até de falar em voz alta sem que ninguém esteja ouvindo, pra uma pessoa estranha é realmente uma fonte de ansiedade. Mas além de todo o sigilo e cuidado que o bom psicólogo tem com seu cliente, cria-se um vínculo entre terapeuta/cliente. Não é algo do dia para a noite, mas que vai sendo construído e inclusive esse vínculo pode ser muito terapêutico à medida que oferece um suporte para a pessoa que busca terapia.
Outra coisa muito importante a ser desmitificada: psicólogo não é coisa de louco, de gente "fraca". É preciso coragem e força pra olhar pras coisas que não estão tão bem em nossas vidas, pras coisas que sentimos, que nos trazem algum tipo de sofrimento ou nos causam desconforto. Em alguns aspectos, terapia é como usar um remédio super ardido na ferida aberta, mas que é esse remédio que vai curar essa ferida. Entretanto, não raro a terapia acontece em meio a gargalhadas, tão necessárias naquele momento.
Além disso, é um cuidado que nós, psicólogos gestalt-terapeutas temos, o de ir até onde nosso cliente sinaliza que podemos ir. Há o respeito, o cuidado com aquilo que o cliente nos traz. Ele é quem trilha o caminho, ele é quem tem a palavra final. Nós o ajudamos a perceber as opções, oferecemos suporte, companhia nessa caminhada, o ajudamos a explorar seus potenciais, suas escolhas. A escuta é uma escuta diferenciada, treinada e, portanto, diferente do bate-papo com o amigo.
Em resumo, a terapia é um lugar onde a pessoa pode se (re)conhecer, crescer, experimentar-se, descobrir novas formas de olhar as coisas, novas formas de lidar com as coisas, tornar-se aquilo que ela é, quem ela é e estar bem com isso. É um processo de enamorar-se por si mesmo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ó, dúvida cruel...

Volta e meia pedimos a opinião de um amigo, colega ou familiar a respeito de alguma situação ou acontecimento em nossas vidas. O curioso é que geralmente, se formos analisar BEM a situação, já estamos decididos a respeito daquilo que perguntamos ao outro. Nem que seja parcialmente decididos, pendendo mais pra um lado do que pro outro; Ainda assim, temos essa necessidade de confirmação.
Não raras vezes, perguntamos a várias pessoas, até que a maioria das opiniões coincida com aquela que no fundo é a que queremos tomar; caso as pessoas discordem ou apontem um caminho oposto, oferecemos vários argumentos como que para convencê-las dos prós da outra opção (a nossa opção).

Quando perguntamos pros outros algo que nos afeta e nos diz respeito diretamente, colocamos nosso poder nas mãos desse outro. É uma forma de “dividir” a responsabilidade por nossas escolhas – ou isentar-se totalmente dela. Mas o fato é que mesmo quando escolho deixar que o outro tome a decisão por mim, sou responsável por dar a ele esse poder – o meu poder. Sartre dizia que o homem está condenado a ser livre. Condenado por não ser possível isentar-se de escolher e arcar com as conseqüências dessa escolha, e livre, pois seu livre arbítrio é inerente à sua condição estará sempre guiando-o nesse processo.
Proponho um pequeno exercício...o de estarmos atentos às coisas que perguntamos às pessoas. Quantas dessas perguntas realmente precisam da resposta alheia? Quantas perguntas “corriqueiras” e que não precisariam ser perguntadas como “Me dá um copo d’água?” quando se tem sede, ao invés de “Eu quero um copo d’água”. Esse é apenas um exemplo. O resto, eu deixo com vocês! ;)

domingo, 10 de abril de 2011

"O importante é que emoções eu vivi"

Temos por hábito rotular tudo e todos. Bom, ruim, feio, bonito, melhor, pior. É assim com os nossos próprios sentimentos também. Rotulamos as coisas que sentimos; estar alegre é bom, estar triste é ruim. Esse é um modo de pensar tão arraigado que é extremamente difícil pra nós, pensarmos que a tristeza, por exemplo, pode ser boa também, ou, melhor ainda, que pode simplesmente SER...
Um psicólogo americano publicou um artigo cujo título é “Por que a tristeza é boa para você” em tradução livre. Desde 1970 psicólogos identificaram seis emoções humanas básicas: medo, raiva, desgosto, tristeza, alegria e surpresa. Este psicólogo em particular, partiu do princípio de que se existem mais emoções negativas e se estas, sobreviveram às provações evolutivas, então possivelmente elas desempenhem algum papel adaptativo e importante para nossa sobrevivência.
A partir desse pressuposto, ele desenvolveu uma série de experimentos e estudos  e concluiu que pessoas tristes são mais observadoras, mais céticas e críticas quanto ao que lhes é apresentado; seriam menos suscetíveis a preconceitos e estereótipos. Além disso, pessoas que se percebem como tristes são mais persuasivas e convincentes quando precisam expor suas idéias.
Achei importante mencionar esse artigo justamente pra colocar um contraponto à crença praticamente universal de que certas emoções ou estados de espírito são ruins. Se pudermos deixar que nossas emoções sejam do jeito que são, se pudermos nos permitir acolhê-las, olhá-las não com repulsa, mas como algo que nos pertence e que diz algo a nosso respeito, podemos descobrir coisas que a fuga, a evitação ou mesmo o confronto não nos permitiriam descobrir. Tudo bem sentir raiva, tristeza, desgosto...assim como está tudo bem sentir alegria e felicidade. Permitir-se sentir essas emoções não quer dizer afundar em cada uma delas e esquecer do mundo. Significa olhar para elas, compreendê-las, buscar a função que elas possam estar desempenhando naquele determinado momento.
Aos que quiserem ler o artigo na íntegra, o línk é esse: http://content.ksg.harvard.edu/lernerlab/media/why_sadness_is_good.php
Está em inglês, mas acredito que o google traduza!
Abraço a todos!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O caminho do meio

Noite e dia, preto e branco, bom e ruim, yin e yang. Esses são apenas alguns exemplos e expressões de polaridades. Como diz uma canção do Lulu Santos "não haveria som se não houvesse o silêncio; não haveria luz se não fosse a escuridão". Um dos pólos só é (re)conhecido por nós, se tivemos a oportunidade de experienciar o outro. Para dizermos um "sim" pleno, precisamo igualmente ser capazes de dar um "não" de boca cheia.
O equilíbrio, ou a compreensão de que para toda característica, ação, sentimento, há um correspondente no pólo oposto, é chamado em Gestalt-terapia de ponto zero. Quando alcançamos esse ponto zero, estamos num estado em que podemos facilmente transitar de um lado a outro dos pólos, pois nos damos conta de ambos. Quando não conseguimos nos dar conta do outro pólo e nos fixamos em um, há a frustração, a angústia, o sofrimento. Diz um ditado budista que "o segredo é o caminho do meio".
Se nos percebemos enquanto pessoas boas e percebemos o outro enquanto pessoa má, há um correspondente em nós para o "pessoa má", caso contrário, não seríamos capazes de nomear e reconhecer isso. Se julgo determinada(s) pessoa(s) inteligente, descontraída, bem-humorada, todas essas características encontram em mim um correspondente; ou seja, EU sou tudo isso. Mesmo que no momento esteja me percebendo e portando de maneira totalmente oposta. Essas características me pertencem, pois consigo reconhecê-las no outro.
Isso certamente muda nosso modo de perceber as coisas, não? Todos nós possuímos tudo, absolutamente TUDO em nós mesmos; somos de certa forma, iguais nesse sentido: bons e ruins, um lado belo e um lado feio, sim e não. O que me incomoda no outro, existe em mim; o que me alegra e comove no outro, também. Tanto potencial, tanto a ser explorado e muitas vezes, permanecemos num único pólo, invejando e desejando no outro aquilo que temos em nós.
Tentemos realizar o exercício proposto por Buda, de seguir o caminho do meio, de transitar entre o sim, quando estamos realmente com vontade de dizer "sim" e do não, quando quisermos dizer "não"; entre nossa luz e escuridão, sabendo e compreendendo que somos possuidores de ambos, e tudo bem.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A outra metade da laranja

  Há uma frase na internet, atribuída por alguns a Woody Allen, que diz que "nos apaixonamos para corrigir nosso passado". Para alguns essa afirmativa pode parecer muito pessimista, pouco romântica, mas acredito que entendo a linha de raciocínio do autor da frase.
Quer queiramos admitir ou não, a união amorosa com uma outra pessoa, de certa forma, nos traz uma idéia de completude, como se o casamento ou união fosse preencher as nossas necessidades emocionais e nos fazer inteiros.
  Acredita-se que os laços familiares são a fonte primária de satisfação emocional. No entanto, na medida em que se emerge de uma infância com sentimentos de desapontamento e rejeição, por exemplo, o romance do casamento acaba se tornando um refúgio, uma promessa de compensações; o bom e velho "quando eu tiver minha família, vai ser diferente". No nível pessoal mais imediato, isso significa que, encontrando-se o parceiro íntimo correto, pode-se curar as feridas deixadas pelo crescimento tanto na família quanto na própria sociedade.
  O fato é que as atitudes que nos fazem buscar o amor, o casamento e a família estão baseadas numa promessa de abundância. Somos ensinados que a família é que vai preencher praticamente todas as nossas primeiras necessidades de amor. Que é melhor dar do que receber, que quando se dá, se recebe mais do que se deu. Essa esperança de reciprocidade pode, muitas vezes, gerar altas expectativas com relação ao outro; expectativas essas que nem sempre estão claras para o outro, já que cada um tem a sua história, seu conceito do que seja a abundância, do que pode dar e do que quer receber. Esperar que a união amorosa, o casamento ou qualquer outro relacionamento a dois, possa nos completar, ressaltar o que há de melhor em nós e preencher vazios trazidos de um passado remoto, é algo que muito provavelmente trará grandes frustrações, além de ser um peso enorme colocado nas mãos do outro.
  É importante que se consiga reconhecer quais são as nossas necessidades, nossos "buraquinhos" (que todos temos). Que feridas ainda doem e são única e exclusivamente nossas e ir trabalhando com elas, (re)conhecendo meios de nos fornecer um autosuporte e proporcionar a nós mesmos boa parte daquilo que precisamos, bem como colocar para o outro nossas necessidades e expectativas. A partir daí, ele irá ponderar se pra ele é possível oferecer aquilo de que precisamos e escolher o que fazer com isso. Ambas as partes da relação estarão cientes do que querem, do que buscam um no outro, de que são seres completos, inteiros, mas que podem sim, crescer, mudar e acrescentar um ao outro. Não é a "outra metade da laranja", mas algo que faz da laranja interia que eu sou, uma laranja mais saborosa.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Abandono X Sufocamento

Eu gosto de assistir a esses reality shows. Acho o máximo como certas relações e comportamentos que acabam aparecendo ali, têm a capacidade de nos mobilizar tanto. Um dos casos nesse último reality show, é o da mulher desprezada que corre incansavelmente atrás do homem que a despreza, despertando aqui fora, sentimentos dos mais variados (desde a raiva das mulheres que acreditam que ela deveria tomar outra atitude, à simpatia daquelas que já se pegaram agindo da mesma forma, à  aversão dos homens que se identificam com o "perseguido").
Toda essa situação me fez lembrar de algo que eu li certa vez sobre relacionamentos. Em nossas relações, estamos sempre alternando entre a ansiedade de abandono e a ansiedade de sufocamento. Explico: nossa sociedade tem prezado cada vez a independência e autonomia e, ao passo que queremos tudo isso, queremos nossa liberdade e estar no comando de nós mesmos, ainda assim, temos também o profundo desejo de estar ligados a alguém. O conflito surge pois, nos dois extremos, da solidão à união com outros, o ser se sente ameaçado. A separação pode ser ameaçadora, mas assim também a convivência demasiada. Todos estamos sujeitos aos dois tipos de ansiedade, embora algumas pessoas sejam mais vulneráveis ao medo do abandono e outras, ao medo do sufocamento.
Em relações muito próximas e contínuas (seja relação amorosa, amizade, pais e filhos), o problema surge quando a necessidade de um sentido de identidade e a segurança da conexão íntima com o outro, tornam-se divididos. O resultado é que cada movimento que um faz para satisfazer a necessidade específica dele ou dela, esbarra com a ansiedade do outro, que responde com reações que aumentam os sentimentos do primeiro, de ser despojado ou esmagado. Ou seja, quanto mais aquele que tem a ansiedade de abandono (caso da participante do reality) tenta aplacar sua ansiedade indo em busca de carinho, atenção e afeto daquele que tem ansiedade de sufocamento, mais ele se afasta, e mais a ansiedade de abandono do outro aumenta. É como se uma das partes da relação carregasse uma bandeira dizendo "nós" e a outra parte carregasse uma bandeira dizendo "eu". E esses papéis podem muito bem se inverter, assim que um deles deixa sua ansiedade momentaneamente de lado.
Quando duas pessoas, devido a suas ansiedades, não são mais capazes de reconhecer, um no outro, seres completos, mesmo que imperfeitos, que têm genuína afeição um pelo outro e a capacidade de mudar, graças aos contatos um com o outro, o relacionamento está fadado ao fracasso, ainda que dure por anos a fio. As pessoas não podem mais se ver inteiramente ou com discriminação, e a fome emocional predomina. A intimidade floresce apenas quando nela se reconhece que ambos os indivíduos têm necessidades fundamentais de autonomia e de intimidade.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Psicologia e arte se encontram

Olá leitores!
O post de hoje é a letra de uma música composta por um dos meus grandes amigos, que é leitor assíduo do blog.
A letra da música tem tudo a ver com os conceitos e reflexões abordados até agora - fato este que me deixou muito feliz e orgulhosa de ver que a psicologia e a gestalt tocaram de alguma forma esse meu amigo, como sei que toca outras milhares de pessoas mundo afora que puderam sentir na pele as mudanças ocorridas depois desse contato.
Eis aqui um belo exemplo de como a psicologia e a arte se encontram:

Somos o que podemos ser

Debaixo desse céu azul
Não somos quem queremos ser
Somos o que podemos ser

Mas a vida
Milagre, sol que queima o corpo
A chuva, o ar e o pouco
Que eu preciso pra viver
Somos o que podemos ser

Afinal o que te deixa tão mal?
Outro dia que se processa 
Nova chance, a hora é essa
É preciso entender, na luta pra se vencer
O caminho é tortuoso, o vencedor de glorioso
É quem se permite ser
Afinal...

Mas a força que te faz vencer
Se encontra em fonte divina dentro de você
Equilibrio, persistência e fé
Que trazem à tona o sentido pra vencer o mal
Afinal

(autoria de Gustavo Fonseca) 

domingo, 20 de março de 2011

Projeção IV

Como prometido, hoje eu vou arrematar os fios que considero que darão o acabamento final ao tema projeção.
Talvez, com os posts anteriores, tenha ficado a impressão de que projetar é algo "errado", que deve ser tratado, ou que não possui uma função saudável em nossa vida. Mas não é bem assim...a projeção pode sim, nos trair e fazer que nossa visão dos fatos e das pessoas nem sempre seja clara. Mas ela também é um importante mecanismo de proteção.
É através da projeção que muitas vezes nos resguardamos mais, que faz com que sintamos a necessidade de buscar abrigo, de pensar duas vezes antes de falar algo que pode ferir alguém que nos é querido, ou que pode nos deixar mais expostos e vulneráveis do que gostaríamos de ficar, por exemplo.
De qualquer forma, esse é um dos meios que o indivíduo encontrou para se defender. Em ambos os casos (funcional ou disfuncional), a projeção é um mecanismo de proteção. A diferença é se estamos nos protegendo de uma situação real e atual, ou se estamos nos comportando como Dom Quixote, brigando com moinhos de vento acreditando que estes fossem gigantes.
É preciso um cuidadoso autoexame e compreensão de suas relações para que alguém possa se dar conta de onde e como suas projeções podem estar lhe trazendo dificuldades. A função do terapeuta é, então, ir trabalhando na capacidade do cliente de autoresponsabilização, bem como na diferenciação do que é seu e o que é do outro. Não é "fulano que me irrita" e sim, "eu me irrito com ele". Ao se sentir responsável por algo que é seu, seu poder volta para as suas mãos (SEUS sentimentos, SUAS características, SEUS defeitos, SUAS qualidades) e pode decidir o quê fazer com isso; deixa de se colocar à mercê dos outros e do mundo e passa a ser o escritor e ator principal de sua história.


sexta-feira, 18 de março de 2011

Projeção III

Todos nós já devemos ter ouvido (e falado também) frases do tipo: “fulano me irrita”, “ciclano me decepcionou”, “Mas ela sabia que isso me incomoda”, “É óbvio que foi de propósito”, “Ninguém me ouve”, entre tantas outras. Todas essas frases têm a mesma coisa em comum: a não-responsabilização pelos seus afetos, ou seja, a projeção. Presumimos que o outro sabe o que sabemos e sentimos, que algo é “óbvio”, como se houvesse algum manual universal de comportamentos ou fôssemos todos telepatas. Mas assumir a responsabilidade pelos seus sentimentos, expectativas e ações, pode ser muito difícil e assustador. A posição de vítima e a sensação de "sou eu contra o mundo" tem um ganho secundário e é, de certa forma, satisfatória para aquele que a cultiva.
Vocês podem se perguntar: Mas então não se pode acreditar em nenhuma impressão que se tem de alguém? Tudo aquilo que eu penso sobre determinada pessoa é criação da minha mente? Não é real? 
Muitas coisas que vemos e impressões que temos a respeito das pessoas, correspondem sim, à realidade; são realmente características daquela pessoaou do meio. Mas nós sempre estamos implicados; sempre há algo de nós em nossas opiniões, relações e modo de ver a vida. Eu vejo a cor amarela com os MEUS olhos e cada um de vocês vê com os seus. O nome que damos é o mesmo, mas será o mesmo amarelo pra todo mundo, com as mesmíssimas nuances?

Deixo vocês hoje com essas reflexões, que precisam ser digeridas e bem compreendidas e deixo para o próximo post as considerações finais que tenho a fazer a respeito da projeção.
Grande abraço!