quarta-feira, 30 de março de 2011

A outra metade da laranja

  Há uma frase na internet, atribuída por alguns a Woody Allen, que diz que "nos apaixonamos para corrigir nosso passado". Para alguns essa afirmativa pode parecer muito pessimista, pouco romântica, mas acredito que entendo a linha de raciocínio do autor da frase.
Quer queiramos admitir ou não, a união amorosa com uma outra pessoa, de certa forma, nos traz uma idéia de completude, como se o casamento ou união fosse preencher as nossas necessidades emocionais e nos fazer inteiros.
  Acredita-se que os laços familiares são a fonte primária de satisfação emocional. No entanto, na medida em que se emerge de uma infância com sentimentos de desapontamento e rejeição, por exemplo, o romance do casamento acaba se tornando um refúgio, uma promessa de compensações; o bom e velho "quando eu tiver minha família, vai ser diferente". No nível pessoal mais imediato, isso significa que, encontrando-se o parceiro íntimo correto, pode-se curar as feridas deixadas pelo crescimento tanto na família quanto na própria sociedade.
  O fato é que as atitudes que nos fazem buscar o amor, o casamento e a família estão baseadas numa promessa de abundância. Somos ensinados que a família é que vai preencher praticamente todas as nossas primeiras necessidades de amor. Que é melhor dar do que receber, que quando se dá, se recebe mais do que se deu. Essa esperança de reciprocidade pode, muitas vezes, gerar altas expectativas com relação ao outro; expectativas essas que nem sempre estão claras para o outro, já que cada um tem a sua história, seu conceito do que seja a abundância, do que pode dar e do que quer receber. Esperar que a união amorosa, o casamento ou qualquer outro relacionamento a dois, possa nos completar, ressaltar o que há de melhor em nós e preencher vazios trazidos de um passado remoto, é algo que muito provavelmente trará grandes frustrações, além de ser um peso enorme colocado nas mãos do outro.
  É importante que se consiga reconhecer quais são as nossas necessidades, nossos "buraquinhos" (que todos temos). Que feridas ainda doem e são única e exclusivamente nossas e ir trabalhando com elas, (re)conhecendo meios de nos fornecer um autosuporte e proporcionar a nós mesmos boa parte daquilo que precisamos, bem como colocar para o outro nossas necessidades e expectativas. A partir daí, ele irá ponderar se pra ele é possível oferecer aquilo de que precisamos e escolher o que fazer com isso. Ambas as partes da relação estarão cientes do que querem, do que buscam um no outro, de que são seres completos, inteiros, mas que podem sim, crescer, mudar e acrescentar um ao outro. Não é a "outra metade da laranja", mas algo que faz da laranja interia que eu sou, uma laranja mais saborosa.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Abandono X Sufocamento

Eu gosto de assistir a esses reality shows. Acho o máximo como certas relações e comportamentos que acabam aparecendo ali, têm a capacidade de nos mobilizar tanto. Um dos casos nesse último reality show, é o da mulher desprezada que corre incansavelmente atrás do homem que a despreza, despertando aqui fora, sentimentos dos mais variados (desde a raiva das mulheres que acreditam que ela deveria tomar outra atitude, à simpatia daquelas que já se pegaram agindo da mesma forma, à  aversão dos homens que se identificam com o "perseguido").
Toda essa situação me fez lembrar de algo que eu li certa vez sobre relacionamentos. Em nossas relações, estamos sempre alternando entre a ansiedade de abandono e a ansiedade de sufocamento. Explico: nossa sociedade tem prezado cada vez a independência e autonomia e, ao passo que queremos tudo isso, queremos nossa liberdade e estar no comando de nós mesmos, ainda assim, temos também o profundo desejo de estar ligados a alguém. O conflito surge pois, nos dois extremos, da solidão à união com outros, o ser se sente ameaçado. A separação pode ser ameaçadora, mas assim também a convivência demasiada. Todos estamos sujeitos aos dois tipos de ansiedade, embora algumas pessoas sejam mais vulneráveis ao medo do abandono e outras, ao medo do sufocamento.
Em relações muito próximas e contínuas (seja relação amorosa, amizade, pais e filhos), o problema surge quando a necessidade de um sentido de identidade e a segurança da conexão íntima com o outro, tornam-se divididos. O resultado é que cada movimento que um faz para satisfazer a necessidade específica dele ou dela, esbarra com a ansiedade do outro, que responde com reações que aumentam os sentimentos do primeiro, de ser despojado ou esmagado. Ou seja, quanto mais aquele que tem a ansiedade de abandono (caso da participante do reality) tenta aplacar sua ansiedade indo em busca de carinho, atenção e afeto daquele que tem ansiedade de sufocamento, mais ele se afasta, e mais a ansiedade de abandono do outro aumenta. É como se uma das partes da relação carregasse uma bandeira dizendo "nós" e a outra parte carregasse uma bandeira dizendo "eu". E esses papéis podem muito bem se inverter, assim que um deles deixa sua ansiedade momentaneamente de lado.
Quando duas pessoas, devido a suas ansiedades, não são mais capazes de reconhecer, um no outro, seres completos, mesmo que imperfeitos, que têm genuína afeição um pelo outro e a capacidade de mudar, graças aos contatos um com o outro, o relacionamento está fadado ao fracasso, ainda que dure por anos a fio. As pessoas não podem mais se ver inteiramente ou com discriminação, e a fome emocional predomina. A intimidade floresce apenas quando nela se reconhece que ambos os indivíduos têm necessidades fundamentais de autonomia e de intimidade.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Psicologia e arte se encontram

Olá leitores!
O post de hoje é a letra de uma música composta por um dos meus grandes amigos, que é leitor assíduo do blog.
A letra da música tem tudo a ver com os conceitos e reflexões abordados até agora - fato este que me deixou muito feliz e orgulhosa de ver que a psicologia e a gestalt tocaram de alguma forma esse meu amigo, como sei que toca outras milhares de pessoas mundo afora que puderam sentir na pele as mudanças ocorridas depois desse contato.
Eis aqui um belo exemplo de como a psicologia e a arte se encontram:

Somos o que podemos ser

Debaixo desse céu azul
Não somos quem queremos ser
Somos o que podemos ser

Mas a vida
Milagre, sol que queima o corpo
A chuva, o ar e o pouco
Que eu preciso pra viver
Somos o que podemos ser

Afinal o que te deixa tão mal?
Outro dia que se processa 
Nova chance, a hora é essa
É preciso entender, na luta pra se vencer
O caminho é tortuoso, o vencedor de glorioso
É quem se permite ser
Afinal...

Mas a força que te faz vencer
Se encontra em fonte divina dentro de você
Equilibrio, persistência e fé
Que trazem à tona o sentido pra vencer o mal
Afinal

(autoria de Gustavo Fonseca) 

domingo, 20 de março de 2011

Projeção IV

Como prometido, hoje eu vou arrematar os fios que considero que darão o acabamento final ao tema projeção.
Talvez, com os posts anteriores, tenha ficado a impressão de que projetar é algo "errado", que deve ser tratado, ou que não possui uma função saudável em nossa vida. Mas não é bem assim...a projeção pode sim, nos trair e fazer que nossa visão dos fatos e das pessoas nem sempre seja clara. Mas ela também é um importante mecanismo de proteção.
É através da projeção que muitas vezes nos resguardamos mais, que faz com que sintamos a necessidade de buscar abrigo, de pensar duas vezes antes de falar algo que pode ferir alguém que nos é querido, ou que pode nos deixar mais expostos e vulneráveis do que gostaríamos de ficar, por exemplo.
De qualquer forma, esse é um dos meios que o indivíduo encontrou para se defender. Em ambos os casos (funcional ou disfuncional), a projeção é um mecanismo de proteção. A diferença é se estamos nos protegendo de uma situação real e atual, ou se estamos nos comportando como Dom Quixote, brigando com moinhos de vento acreditando que estes fossem gigantes.
É preciso um cuidadoso autoexame e compreensão de suas relações para que alguém possa se dar conta de onde e como suas projeções podem estar lhe trazendo dificuldades. A função do terapeuta é, então, ir trabalhando na capacidade do cliente de autoresponsabilização, bem como na diferenciação do que é seu e o que é do outro. Não é "fulano que me irrita" e sim, "eu me irrito com ele". Ao se sentir responsável por algo que é seu, seu poder volta para as suas mãos (SEUS sentimentos, SUAS características, SEUS defeitos, SUAS qualidades) e pode decidir o quê fazer com isso; deixa de se colocar à mercê dos outros e do mundo e passa a ser o escritor e ator principal de sua história.


sexta-feira, 18 de março de 2011

Projeção III

Todos nós já devemos ter ouvido (e falado também) frases do tipo: “fulano me irrita”, “ciclano me decepcionou”, “Mas ela sabia que isso me incomoda”, “É óbvio que foi de propósito”, “Ninguém me ouve”, entre tantas outras. Todas essas frases têm a mesma coisa em comum: a não-responsabilização pelos seus afetos, ou seja, a projeção. Presumimos que o outro sabe o que sabemos e sentimos, que algo é “óbvio”, como se houvesse algum manual universal de comportamentos ou fôssemos todos telepatas. Mas assumir a responsabilidade pelos seus sentimentos, expectativas e ações, pode ser muito difícil e assustador. A posição de vítima e a sensação de "sou eu contra o mundo" tem um ganho secundário e é, de certa forma, satisfatória para aquele que a cultiva.
Vocês podem se perguntar: Mas então não se pode acreditar em nenhuma impressão que se tem de alguém? Tudo aquilo que eu penso sobre determinada pessoa é criação da minha mente? Não é real? 
Muitas coisas que vemos e impressões que temos a respeito das pessoas, correspondem sim, à realidade; são realmente características daquela pessoaou do meio. Mas nós sempre estamos implicados; sempre há algo de nós em nossas opiniões, relações e modo de ver a vida. Eu vejo a cor amarela com os MEUS olhos e cada um de vocês vê com os seus. O nome que damos é o mesmo, mas será o mesmo amarelo pra todo mundo, com as mesmíssimas nuances?

Deixo vocês hoje com essas reflexões, que precisam ser digeridas e bem compreendidas e deixo para o próximo post as considerações finais que tenho a fazer a respeito da projeção.
Grande abraço!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Projeção II

Todos nós já sentimos o que é gostar de alguém, admirar determinadas pessoas e suas qualidades. Da mesma forma, todos nós já experienciamos a decepção ou desapontamento com alguém (às vezes o mesmo alguém em quem víamos tantas qualidades, inclusive). Gostamos de alguém porque vemos nessa pessoa qualidades que possuímos em nós e com as quais nos identificamos. Acontece também, de atribuirmos às pessoas qualidades que gostaríamos de ter, que sentimos de alguma forma que nos faltam, das quais somos carentes em nossas relações e em nós mesmos. Isso é projeção. Projetamos no outro expectativas, qualidades e ficamos magoados, frustrados e decepcionados quando estas pessoas não nos correspondem.
É como diz o famoso ditado: “quem ama o feio, bonito lhe parece”. Estamos tão acostumados a entender esse dito popular apenas pelo aspecto da beleza física, que nem nos damos conta de que pode haver mais por trás dessa afirmação. Pra quem está diretamente envolvido na relação, todas aquelas coisas que se vê no outro são absolutamente verdadeiras. É extremamente difícil ouvir de qualquer outra pessoa de fora qualquer coisa de vá contra tudo aquilo que vemos no outro. 

Precisamos daquelas qualidades, precisamos do que elas representam pra nós. Muitas vezes nós mesmos as possuímos, mas não conseguimos percebê-las e por isso atribuímos ao outro. A decepção vem com o tempo, quando uma série de atitudes do ser admirado acaba por mostrar que ele não era aquilo que pensávamos. Foi ele o mentiroso? Deve ele ser julgado e responsabilizado por não ter correspondido uma expectativa que era do outro?

Até amanhã com mais um post!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Projeção I

Já falei sobre alguns dos ajustamentos neuróticos anteriormente (confluência, introjeção, retroflexão) e também como todas elas estão interligadas e dão sustentação umas às outras.
O tema de hoje é a projeção. Talvez essa seja uma das interrupções mais difíceis de explicar, pois acontece em praticamente todos os momentos da nossa vida, de uma forma ou de outra, e nem sempre é fácil de percebê-la. Sendo um tema um pouco extenso, e até pra que fique mais claro, achei melhor dividí-lo em partes.
A projeção ocorre quando utilizamos as informações do meio para "prever" ou projetar algo. Não andamos em becos escuros e sujos altas horas da noite pois projetamos que  há algo ameaçador e perigoso ali, por exemplo. Nesse sentido, é por meio da projeção que podemos prever um significado do ambiente que ainda não esteja evidente, que é o que costumeiramente chamamos de intuição.
Outra faceta da projeção é que, no sentindo "psicológico da coisa", vamos dizer assim, quem faz uso desse ajustamento, geralmente é uma pessoa que não pode aceitar seus sentimentos e ações,  porque não "deveria" (eis aí um introjeto, que rotula o sentimento ou ação como desagradável) sentir ou agir de determinada maneira. A pessoa não reconhece em si determinada característica, mas, ao invés disso, a atribui a outra(s) pessoa(s). É muito importante frisar aqui, que essa transferência de características não é algo consciente, proposital. É uma espécie de defesa. Para ele, lidar com tais sentimentos e ações em si mesmo, é por demais angustiante, então é como se tudo isso fosse abafado, colocado debaixo do tapete. Em contrapartida, estará intensamente consciente dessas características nos outros.


Nos próximos posts eu devo abordar mais alguns aspectos da projeção nas relações do cotidiano. Por hoje é isso...

segunda-feira, 14 de março de 2011

"Mude, mas mude devagar"

Há algum tempo esbarrei com a teoria paradoxal da mudança, que diz o seguinte: a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é." Pra completar, Perls dizia que toda tentativa de mudança está fadada ao fracasso. E essa afirmação dá o que pensar. A grandissíssima maioria (se não todas) as pessoas que procuram uma terapia, ou mesmo aquelas que não procuram, buscam mudar algo no seu jeito de ser.

Acontece que muitas vezes a concepção que temos de nós mesmos não necessariamente aplica-se à “realidade” pois foi fundamentada em anos e anos de desconfirmações, introjetos, violências para com nossos limites, dentre tantas outras coisas. Inclusive, tenho reparado que recentemente muitas músicas que alcançam principalmente o público jovem, têm falado dos possíveis efeitos que os introjetos podem ter no autoconceito de alguém (vide post sobre “introjeção” e “quem somos nós”).

O fato é que a tendência é que as pessoas entrem num círculo vicioso de se comparar constantemente com os outros, caiam na história de que “a grama do vizinho é mais verde” e com isso, busquem constantemente mudar para aquilo que julgam que querem ser ou, melhor ainda, que deveriam ser. Não dando valor, portanto, ao que há de concreto e real a seu respeito. Não ficam nem no presente, pois não se permitem ser o que são, tampouco alcançam o futuro, já que ele é traçado a todo momento no presente. Essas pessoas ficam em lugar nenhum, ou melhor dizendo, na zona intermediária, onde não há mudança ou crescimento.

O que propõe essa teoria, é que a pessoa se permita ser o que é, como é, como se relaciona, seus limites, suas dificuldades, suas potencialidades, sem julgamentos a priori. Tornando-se o que é, já terá havido mudanças nesse próprio processo. Sem falar que quando nos permitimos ser o que somos (e esse “o que” não é uma única coisa), temos uma base sólida para a partir daí, contruirmos aquilo que quisermos construir.

domingo, 13 de março de 2011

Seja o que você é

Seja o que você é e então veja quem você é e como você é
Desapegue por um momento ou dois daquilo que você deve fazer e descubra o que você faz
Arrisque-se um pouco, se você puder
Sinta seus próprios sentimentos
Diga suas próprias palavras
Pense seus próprios pensamentos
Seja seu próprio ser
Descubra
Deixe o plano pra você crescer a partir de dentro de você
                                                                                                                                (Fritz Perls)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quem somos nós?

Eu poderia continuar com os posts da teoria da gestalt-terapia, seguindo uma linha de raciocínio lógica, mas aí eu pensei: "não é isso que eu quero fazer hoje". Isso é o que eu chamo de "modo gestáltico de se viver". Outros questionamentos e reflexões estão me impulsionando hoje, logo, nada mais fluído do que deixar que isso venha à tona.
Já pararam pra se perguntar porque é tão difícil responder à pergunta "quem é você"? Geralmente respondemos a essa pergunta com a nossa idade, profissão, filiação e não vamos muito além disso. Quando vamos, não é raro que lembremos mais dos nossos defeitos do que de nossas qualidades. Por que será? Em que momento nos perdemos de nós mesmos? - Se é que um dia realmente estivemos inteiros e integrados com quem/com aquilo que somos.


Eu não tenho as respostas pra essas perguntas. Tenho as minhas respostas, aquelas que a mim, parecem que fazem mais sentido. Penso que muitas vezes carregamos em nossas costas uma bagagem pesadérrima e que nem nos pertence. Bagagem essa, que nos foi passada, e que possivelmente, vem sendo passada por gerações. Padrões de comportamento que se repetem ao longo do tempo, como na história da receita de peixe que é passada de mãe para filha. A filha sabe que precisa cortar a cabeça e o rabo do peixe para prepará-lo e não sabe por quê, só sabe que é assim. Quando pergunta à mãe, esta também não sabe o motivo e vai perguntar à sua mãe (avó), que responde que na sua época, a forma para o preparo do peixe era pequena, o peixe não cabia inteiro e por isso se cortava a cabeça e o rabo. Até que ponto as crenças, a visão de mundo e modo de agir, que carregamos nessa bagagem realmente são nossas?


O que faz de você o que/quem você é? Herança genética, aprendizagem, convívio social, traumas? O todo é diferente da soma das partes; mude um único aspecto de uma das partes e terá um todo diferente. É como as coisas se interelacionam, afetam e influenciam umas às outras, que nos fazem ser quem somos. É através dessa complexa rede de relações que nos construímos. É nesse processo que construímos nosso autoconceito, que se fundamenta nossa autoestima. Que conceitos a respeito de nós mesmos nos foram empurrados goela abaixo? Que conceitos foram sendo construídos pelas diversas situações da vida? Essas situações ainda existem? Esses conceitos ainda fazem sentido? Você continua tendo a mesma visão de si que tinha há um ano atrás? Quem realmente é você? O que te faz especial e único? Você sabe responder a essas perguntas e sentí-las? Sente as respostas como verdade? Elas aparecem com rapidez e espontaneamente ou você precisa pensar muito a respeito?

Tudo isso diz algo de você. Algo que não é bom, nem ruim...simplesmente é...você!




quarta-feira, 9 de março de 2011

Retroflexão

Depois dos dias de folia do Carnaval, é hora de voltar ao trabalho! O conceito desta quarta-feira de cinzas é a Retroflexão. Como tudo para nós, gestalt-terapeutas, a retroflexão guarda em si um lado funcional e um lado disfuncional. Vamos a eles!
A retroflexão funcional ocorre quando o indivíduo reconhece sua necessidade e ele mesmo a satisfaz; ou quando ele (ao identificar sua necessidade) reconhece algo ameaçador no meio e contém sua ação de forma saudável, pois se for ao meio pode se prejudicar. No sentido disfuncional, retroflexão significa “voltar-se rispidamente contra"; na retroflexão disfuncional a energia não está disponível e mesmo que o meio ofereça oportunidades de satisfazê-la ela se volta para a própria pessoa.
Perls usa um exemplo de uma mãe e dona de casa tendo um dia de cão, para explicar a retroflexão. Na situação, a máquina de lavar quebrou, o técnico não apareceu, o filho rabiscou as paredes da casa e o marido chega atrasado para jantar e essa mãe sente que poderia matar alguém (quem de nós nunca se sentiu assim?). Nesse caso, não seria sensato que ela matasse o próprio filho ou marido, ou que cortasse os próprios pulsos. Então, ela delibera por acalmar-se e não fazer nada a nenhum dos dois, já que as conseqüências seriam muito piores se ela seguisse seu impulso homicida. Num primeiro momento, esse é um ajustamento criativo, funcional. Mas, se o comportamento de reprimir a raiva, frustração, fúria, ou qualquer outro sentimento, se repete com freqüência e em situações diferentes, torna-se um hábito , passa a ser um ajustamento neurótico, pois não está em contato com a situação presente e nova.

A energia de raiva, fúria (no exemplo citado), ao invés de ser investida no meio, volta-se contra ela mesma. Ou seja, o corpo torna-se o objeto final de agressão devido a um processo de inibição crônico que foi esquecido (olha a confluência aí) e assim é mantido.
No ajustamento retroflexivo a pessoa faz consigo o que gostaria de fazer aos outros. Quando alguém retroflete um comportamento, trata a si mesmo como na verdade gostaria de tratar outras pessoas ou objetos ou como gostaria que os outros o tratassem. Ou, quando o excitamento surge, por sentir o meio como ameaçador, ao invés de confrontá-lo, volta a energia para si mesmo, o único lugar que considera seguro. Deixa de dirigir suas energias para fora a fim de ter aquilo que necessita e coloca-se como alvo do comportamento. 
Um ponto importante a ser colocado, é que a retroflexão geralmente tem por base além da confluência, um introjeto. Nossa cultura predominantemente cristã, por exemplo, que prega o "amar ao próximo como a si mesmo", condena sentimentos como a inveja, a raiva, entre outros; sentimentos estes que fazem parte daquilo que nos torna humanos. O auto-controle é considerado pela grande maioria como algo bom, que todos devem ter sempre. Mas "amar ao próximo como a si mesmo" acaba sendo entendido como amar MAIS ao próximo do que a si mesmo, e acabamos deixando de "rodar a baiana" em situações em que teríamos todo o direito de fazê-lo.

A retroflexão crônica está na origem de muitas (se não de todas) doenças psicossomáticas, como úlceras, gastrites, cânceres (que atingem proporções significativamente maiores naquelas pessoas muito controladas, que não manifestam explicitamente suas emoções).

Fica aí a dica, então! Expressem-se! Sem vergonha, sem medo de assumir seus sentimentos, sejam eles "bons" ou "ruins". São esses sentimentos que nos tornam singulares e humanos. Expressá-los, ou melhor, admitir que eles estão ali, que existem, permite que possamos escolher o quê fazer com eles!

quarta-feira, 2 de março de 2011

Introjeção

Dando continuidade às explicações sobre as interrupções no ciclo de contato, hoje vou falar sobre a introjeção.
Pra que esse conceito fique mais claro, vou começar com um exemplo muito utilizado entre os GT. Quando somos crianças, até uma certa idade, dependemos dos adultos para nos alimentar. Quando o alimento nos é empurrado "goela abaixo", sem que tenhamos tempo e oportunidade para mastigar, sentir o gosto e só então engolir, estamos introjetando o alimento. Ao contrário, quando o ambiente é sentido como confiável e podemos mastigar, sentir o gosto, desde esse momento começa o processo de digestão daquele conteúdo e portanto, ao invés de introjetar, estamos assimilando. A assimilação é o aspecto saudável da introjeção (lembrem que sempre há um aspecto saudável nas interrupções).
Perls diz que "não há nada em nossas mentes que não venha do meio, e não há nada no meio para o qual não haja uma necessidade orgânica, física ou psicológica. Estas devem ser digeridas e dominadas, se quiserem se tornar nossas de verdade, realmente uma parte da personalidade. Mas se simplesmente as aceitamos completamente e sem crítica, baseados na palavra de outra pessoa, ou porque estão na moda, ou são de confiança, ou tradicionais ou antiquadas ou revolucionárias – tornam-se um peso para nós. São realmente indigeríveis. Ainda são corpos estranhos, embora tenham se instalado em nossas mentes. " (A abordagem gestáltica, Fritz Perls, pg. 46 e 47).
Utilizamos a introjeção saudável para nos adequarmos socialmente, por exemplo. Introjetamos que não se anda nu pelas ruas, introjetamos nosso idioma e uma série de outras normas sociais. O conteúdo do que introjetamos é chamado introjeto.
Quando esse processo ocorre fora de qualquer contexto coercitivo, é saúdavel; se, em contrapartida, existe uma coerção por qualquer parte do ambiente, que é incompatível com a necessidade genuína do indivíduo, há uma imobilização. É como se entregássemos nossa identidade nas mãos de outra pessoa. Com o tempo, o que foi introjetado cai na confluência, vira hábito, torna-se não-consciente e passamos a reproduzir comportamentos e atitudes que não condizem com nossas reais necessidades e anseios, mas que parecem ser tão nossas...
Introjetos são todos os conteúdos que sustentam os "deveria" que carregamos vida afora.
Há um tempo atrás estudei sobre a automutilação sob a perspectiva gestáltica. Geralmente, a pessoa que se automutila carrega introjetos do tipo "não posso expressar meus sentimentos, pois serei severamente repreendido" ou "eu mereço ser punido", entre tantos outros. São esses introjetos que fazem com que nesse caso, a pessoa volte sua agressividade, sua tristeza e sua dor contra si mesma; mas isso é assunto para o próximo post...

Qualquer dúvida ou curiosidade a respeito de qualquer um dos temas aqui postados, entrem em contato via email!
Abraços