quarta-feira, 27 de abril de 2011

Encerrando ciclos

Recebi um email essa semana com uma mensagem cuja autoria foi atribuída a Fernando Pessoa. Separei alguns trechos que considerei mais interessantes pra dividir com vocês, leitores. Nesses trechos, muito do jeito gestáltico de viver está presente. Vou comentando ao longo do texto:
"Sempre é preciso saber quando uma etapa
chega ao final..
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Quando nos prendemos a algo que já não faz mais parte do momento presente, ou quando nos lançamos ao futuro com fantasias, expectativas, temores, nos ausentamos do único momento realmente real e no qual é possível fazer alguma coisa: o presente.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. É o que chamamos de "fechar Gestalts". Dar um fechamento às situações que ficaram inacabadas para nós.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos
entender as coisas que acontecem conosco.
Mesmo quando buscamos a compreensão para algo que nos afeta hoje no passado, esse passado se manifesta no presente. É com o olhar do aqui-e-agora que ele deve ser percebido. Como HOJE aquilo que aconteceu lá atrás age em mim? Aborda-se o passado, sim, mas não é olhando para trás e sim, olhando para como ele se manifesta no presente.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora.
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. (Vide Oração da Gestalt, ao lado). Podemos esperar coisas do outro e da vida, desde que tenhamos muito claro que isso não quer dizer que estar expectativas têm que ser correspondidas. O outro nos corresponderá na medida do que é possível e viável para ele e a recíproca é verdadeira. Não faz sentido se frustrar com uma criança que recém está engatinhando, por ela não sair andando; muito embora esperemos que ela ande em algum momento.
Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. A dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Todos passamos por situações difíceis e dolorosas na vida. Reconhecer a dor e acolhê-la faz parte do processo natural de luto. Mas a dor, assim como o luto, tem fim. Mergulhar no sofrimento (que é contínuo) é opcional. A questão é: "o que eu quero fazer com isso?; O que eu vou fazer com o que me aconteceu?"
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Novamente a questão do viver no aqui-e-agora, onde temos tudo aquilo de que necessitamos, onde estão nossas possibilidades de ação.
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa. Nada é insubstituível,
um hábito não é uma necessidade.
(Vide posts sobre ajustamento criativo e ajustamento neurótico).
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Aquilo que um dia foi considerado "necessário" hoje em dia não serve mais. O novo pede respostas novas.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Assegura-te de que sabes bem quem és tu própria, antes de conheceres alguém
e de esperares que ele veja quem tu és..."

domingo, 24 de abril de 2011

O seu problema é problema meu...(ou não)

Nosso jeito de gostar das pessoas por vezes pode ser bem "curioso". Todos já devem ter experimentado ao menos uma vez na vida, a agonia de ver alguém de quem se gosta sofrendo por algo, indo por um caminho que se julga errado.
É válido ficar comovido com o sofrimento de alguém de quem se gosta, com as dificuldades que essa pessoa querida passa. É válido querer ajudar e é válido inclusive, dar sua opinião e conselhos, afinal de contas, o que essa pessoa irá fazer com os conselhos é escolha dela e cabe única e exclusivamente a ela. O que acontece muitas vezes, no entanto, é que sofremos o sofrimento do outro. Conheço não uma ou duas, mas várias pessoas se apossam das dificuldades e problemas alheios. Esse "sofrimento" pelo outro se manifesta de várias formas, inclusive raiva; aquela vontade de abrir a cabeça do outro ao meio pra quem sabe enfiar algum juízo ali, pra que ele veja aquilo que estamos vendo ou tome alguma atitude diferente.
Entramos nos problemas e dificuldades do outro, não raras vezes acumulando e somando com nossos próprios problemas. Nos sobrecarregamos com uma carga que não nos pertence!
Da mesma forma que temos nosso livre arbítrio e somos responsáveis pelas escolhas que fazemos em nossa vida, em nossos relacionamentos, em nossa profissão, etc. e somos responsáveis pelas conseqüências dessas escolhas, também a pessoa a qual queremos bem o é (por suas escolhas, por sua vida). Querer caminhar com as pernas do outro tira dele a possibilidade de aprender algo por si só; tira a possibilidade de que ele encontre as suas respostas, as suas soluções, descubra seu potencial, além de ser extremamente frustrante e angustiante para aquele que gostaria de poder fazer pelo outro.
Agora  a questão que realmente é de "queimar a mufa" nessa história toda é: A serviço de quê se toma para si um problema e uma dificuldade que é do outro? Infelizmente - ou felizmente! - eu não possuo a resposta para essa pergunta. É algo que cada um que se identifica com essa situação terá de descobrir...

terça-feira, 19 de abril de 2011

O "bicho papão" da terapia

O psicólogo, como outras profissões, ainda é muito mistificado. O senso comum maioritário ainda está impregnado de preconceitos como "quem precisa de psicólogo é louco/depressivo/bipolar, etc.", "terapia é bate papo e blablabla", "não preciso de um psicólogo me dizendo o que fazer", entre outros. Em algumas situações do dia a dia, as pessoas chegam a pensar que nós, psicólogos, possuímos alguma habilidade telepática; ficam tensas, como medo de dizer qualquer coisa e serem "analisadas" e/ou rotuladas. Calma, pessoal!
É compreensível que a terapia possa ser assustadora a princípio. Expor sua vida, seus  problemas e dificuldades, seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, que às vezes é difícil até de falar em voz alta sem que ninguém esteja ouvindo, pra uma pessoa estranha é realmente uma fonte de ansiedade. Mas além de todo o sigilo e cuidado que o bom psicólogo tem com seu cliente, cria-se um vínculo entre terapeuta/cliente. Não é algo do dia para a noite, mas que vai sendo construído e inclusive esse vínculo pode ser muito terapêutico à medida que oferece um suporte para a pessoa que busca terapia.
Outra coisa muito importante a ser desmitificada: psicólogo não é coisa de louco, de gente "fraca". É preciso coragem e força pra olhar pras coisas que não estão tão bem em nossas vidas, pras coisas que sentimos, que nos trazem algum tipo de sofrimento ou nos causam desconforto. Em alguns aspectos, terapia é como usar um remédio super ardido na ferida aberta, mas que é esse remédio que vai curar essa ferida. Entretanto, não raro a terapia acontece em meio a gargalhadas, tão necessárias naquele momento.
Além disso, é um cuidado que nós, psicólogos gestalt-terapeutas temos, o de ir até onde nosso cliente sinaliza que podemos ir. Há o respeito, o cuidado com aquilo que o cliente nos traz. Ele é quem trilha o caminho, ele é quem tem a palavra final. Nós o ajudamos a perceber as opções, oferecemos suporte, companhia nessa caminhada, o ajudamos a explorar seus potenciais, suas escolhas. A escuta é uma escuta diferenciada, treinada e, portanto, diferente do bate-papo com o amigo.
Em resumo, a terapia é um lugar onde a pessoa pode se (re)conhecer, crescer, experimentar-se, descobrir novas formas de olhar as coisas, novas formas de lidar com as coisas, tornar-se aquilo que ela é, quem ela é e estar bem com isso. É um processo de enamorar-se por si mesmo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ó, dúvida cruel...

Volta e meia pedimos a opinião de um amigo, colega ou familiar a respeito de alguma situação ou acontecimento em nossas vidas. O curioso é que geralmente, se formos analisar BEM a situação, já estamos decididos a respeito daquilo que perguntamos ao outro. Nem que seja parcialmente decididos, pendendo mais pra um lado do que pro outro; Ainda assim, temos essa necessidade de confirmação.
Não raras vezes, perguntamos a várias pessoas, até que a maioria das opiniões coincida com aquela que no fundo é a que queremos tomar; caso as pessoas discordem ou apontem um caminho oposto, oferecemos vários argumentos como que para convencê-las dos prós da outra opção (a nossa opção).

Quando perguntamos pros outros algo que nos afeta e nos diz respeito diretamente, colocamos nosso poder nas mãos desse outro. É uma forma de “dividir” a responsabilidade por nossas escolhas – ou isentar-se totalmente dela. Mas o fato é que mesmo quando escolho deixar que o outro tome a decisão por mim, sou responsável por dar a ele esse poder – o meu poder. Sartre dizia que o homem está condenado a ser livre. Condenado por não ser possível isentar-se de escolher e arcar com as conseqüências dessa escolha, e livre, pois seu livre arbítrio é inerente à sua condição estará sempre guiando-o nesse processo.
Proponho um pequeno exercício...o de estarmos atentos às coisas que perguntamos às pessoas. Quantas dessas perguntas realmente precisam da resposta alheia? Quantas perguntas “corriqueiras” e que não precisariam ser perguntadas como “Me dá um copo d’água?” quando se tem sede, ao invés de “Eu quero um copo d’água”. Esse é apenas um exemplo. O resto, eu deixo com vocês! ;)

domingo, 10 de abril de 2011

"O importante é que emoções eu vivi"

Temos por hábito rotular tudo e todos. Bom, ruim, feio, bonito, melhor, pior. É assim com os nossos próprios sentimentos também. Rotulamos as coisas que sentimos; estar alegre é bom, estar triste é ruim. Esse é um modo de pensar tão arraigado que é extremamente difícil pra nós, pensarmos que a tristeza, por exemplo, pode ser boa também, ou, melhor ainda, que pode simplesmente SER...
Um psicólogo americano publicou um artigo cujo título é “Por que a tristeza é boa para você” em tradução livre. Desde 1970 psicólogos identificaram seis emoções humanas básicas: medo, raiva, desgosto, tristeza, alegria e surpresa. Este psicólogo em particular, partiu do princípio de que se existem mais emoções negativas e se estas, sobreviveram às provações evolutivas, então possivelmente elas desempenhem algum papel adaptativo e importante para nossa sobrevivência.
A partir desse pressuposto, ele desenvolveu uma série de experimentos e estudos  e concluiu que pessoas tristes são mais observadoras, mais céticas e críticas quanto ao que lhes é apresentado; seriam menos suscetíveis a preconceitos e estereótipos. Além disso, pessoas que se percebem como tristes são mais persuasivas e convincentes quando precisam expor suas idéias.
Achei importante mencionar esse artigo justamente pra colocar um contraponto à crença praticamente universal de que certas emoções ou estados de espírito são ruins. Se pudermos deixar que nossas emoções sejam do jeito que são, se pudermos nos permitir acolhê-las, olhá-las não com repulsa, mas como algo que nos pertence e que diz algo a nosso respeito, podemos descobrir coisas que a fuga, a evitação ou mesmo o confronto não nos permitiriam descobrir. Tudo bem sentir raiva, tristeza, desgosto...assim como está tudo bem sentir alegria e felicidade. Permitir-se sentir essas emoções não quer dizer afundar em cada uma delas e esquecer do mundo. Significa olhar para elas, compreendê-las, buscar a função que elas possam estar desempenhando naquele determinado momento.
Aos que quiserem ler o artigo na íntegra, o línk é esse: http://content.ksg.harvard.edu/lernerlab/media/why_sadness_is_good.php
Está em inglês, mas acredito que o google traduza!
Abraço a todos!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O caminho do meio

Noite e dia, preto e branco, bom e ruim, yin e yang. Esses são apenas alguns exemplos e expressões de polaridades. Como diz uma canção do Lulu Santos "não haveria som se não houvesse o silêncio; não haveria luz se não fosse a escuridão". Um dos pólos só é (re)conhecido por nós, se tivemos a oportunidade de experienciar o outro. Para dizermos um "sim" pleno, precisamo igualmente ser capazes de dar um "não" de boca cheia.
O equilíbrio, ou a compreensão de que para toda característica, ação, sentimento, há um correspondente no pólo oposto, é chamado em Gestalt-terapia de ponto zero. Quando alcançamos esse ponto zero, estamos num estado em que podemos facilmente transitar de um lado a outro dos pólos, pois nos damos conta de ambos. Quando não conseguimos nos dar conta do outro pólo e nos fixamos em um, há a frustração, a angústia, o sofrimento. Diz um ditado budista que "o segredo é o caminho do meio".
Se nos percebemos enquanto pessoas boas e percebemos o outro enquanto pessoa má, há um correspondente em nós para o "pessoa má", caso contrário, não seríamos capazes de nomear e reconhecer isso. Se julgo determinada(s) pessoa(s) inteligente, descontraída, bem-humorada, todas essas características encontram em mim um correspondente; ou seja, EU sou tudo isso. Mesmo que no momento esteja me percebendo e portando de maneira totalmente oposta. Essas características me pertencem, pois consigo reconhecê-las no outro.
Isso certamente muda nosso modo de perceber as coisas, não? Todos nós possuímos tudo, absolutamente TUDO em nós mesmos; somos de certa forma, iguais nesse sentido: bons e ruins, um lado belo e um lado feio, sim e não. O que me incomoda no outro, existe em mim; o que me alegra e comove no outro, também. Tanto potencial, tanto a ser explorado e muitas vezes, permanecemos num único pólo, invejando e desejando no outro aquilo que temos em nós.
Tentemos realizar o exercício proposto por Buda, de seguir o caminho do meio, de transitar entre o sim, quando estamos realmente com vontade de dizer "sim" e do não, quando quisermos dizer "não"; entre nossa luz e escuridão, sabendo e compreendendo que somos possuidores de ambos, e tudo bem.