quinta-feira, 31 de maio de 2012

Vivências Opressivas III

Na última publicação dei alguns exemplos de vivências opressivas que acontecem dentro de nossa própria casa ou nas relações com aquelas pessoas que nos são mais queridas.
À primeira vista pode parecer que coisas assim não têm grande impacto em nossas vidas, mas esse processo gradativo de alienação de nós mesmos, daquilo que somos e gostamos para que sejamos aceitos e amados, é um dos pilares que sustenta nossa “defensividade”, nossa desconfiança, as resistências em geral que criamos para nossa própria proteção.
Se as condições para o “amor” e aceitação incluem a obediência acima de tudo (num sentido bastante amplo) e a renúncia à tudo aquilo que nos traz alegria e que mais amamos, terminamos por nos tornar extremamente hábeis em abdicar de nós mesmos. Para garantir a nossa sobrevivência em meios em que a aceitação e o “amor” são condicionais, não é de se admirar que tenhamos desenvolvido uma capacidade fantástica de perceber o que querem de nós. Nosso princípio de auto-regulação organísmica, já abordado em publicações anteriores nos garante essa capacidade. Basta um único olhar ou gesto de alguém para que uma pessoa sinta vontade de se encolher ou expandir.
Devido ao profundo e arraigado sentimento de inadequação, por não sermos “como deveríamos ser”, temos uma imensurável dificuldade em nos aceitar. Não confiamos em nossos instintos, em nossas, sensações, não confiamos em nós mesmos. Necessitamos constantemente de confirmações externas para garantir um mínimo de auto-estima e auto-confiança.
É muito importante que fique claro que quando falo em opressão e violência, falo de forma muito ampla. Para a gestalt-terapia, todo e qualquer desrespeito à singularidade de alguém é opressão e, conseqüentemente, é violência também. E sempre que alguém achar saber "o que é melhor pra você", "é pro seu próprio bem", há aí um ato de violência; um descrédito na sua capacidade de identificar por si próprio o que é melhor pra você, na sua sabedoria intrínseca e na sua capacidade de seguir adiante. Estamos tão “embotados” e dessensibilizados que pra que consideremos algo violento, sério, digno de se ficar bravo, magoado, triste, revoltado, é preciso que seja algo extremamente grave, físico, palpável. Aprendemos a desacreditar em nós. Nos perdemos de nós mesmos para fazermos parte de um grupo, de um “clã”. E esse processo – perder-se de si, abandonar-se, foi tão doloroso que, para minimizar a dor, em algum momento de nossas vidas decidimos esquecê-lo. Temos uma “sabedoria organísmica” tão grande, que nos dessensibilizamos para podermos seguir a vida adiante, da melhor maneira possível.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Vivências Opressivas II

Estamos acostumados a entender "violência" como agressão física ou verbal. Muitas vezes a violência acontece de maneira silenciosa, sob o disfarce do "amor" e "cuidado" de pessoas muito próximas a nós (amigos, pais, cônjuges, etc).
Violência –  também podendo ser sinônimo de opressão - é prepotência, é quando qualquer outra pessoa julga saber mais de você do que você mesmo (suas preferências, suas necessidades, o que é bom ou ruim, o que é válido ou não, o que merece atenção ou não). É violento quando alguém ultrapassa um limite - seja ele físico ou emocional. É violento quando não somos reconhecidos em nossa singularidade e quando não somos confirmados em nossos sentimentos e percepções do mundo.
Desde muito pequenos somos literalmente bombardeados por regras e valores, somos “consertados”, moldados de acordo com aquilo que um outro alguém espera e acredita que seja o ideal. A isso muitos chamam de “boa educação” – “é de pequeno que se torce o pepino”.
Como mencionei em alguns outros momentos aqui, todos nós, sem exceções, nos auto-regulamos. A auto-regulação organísmica está associada diretamente à nossa sobrevivência física e emocional. A criança precisa da atenção dos pais, precisa do afeto dos seus cuidadores. Ela está à mercê  dessas pessoas e se para receber esse carinho, ela precisa ser de um determinado modo, se precisa alienar desejos, necessidades e características suas, é isso que ela vai fazer. Nos tornamos seres divididos por termos sofrido esse processo de alienação e negação de partes nossas quando estas confrontavam as necessidades externas. Nos abandonamos, por medo de sermos abandonados.
Assim descrita, é fácil notar que a opressão – violência - pode acontecer de forma muito sutil, "corriqueira". E acontece! Muitos de vocês leitores (e eu me incluo aqui) não têm a menor dúvida com relação ao amor de seus pais e aos sacrifícios que eles fizeram pra que pudessem comprar aquele brinquedo que você tanto queria quando criança, dar uma educação de qualidade, entre outras tantas coisas que pais amorosos fazem pelos filhos. O que acontece é a que violência da desconfirmação acontece de forma tão sutil e por pessoas que durante nosso desenvolvimento são realmente percebidas por nós como deuses, heróis - aquelas pessoas grandes que nos dão colo, alimento e tudo o mais que necessitamos pra sobreviver. Quando uma criança quer usar uma determinada roupa e sua mãe não deixa porque acha feia, porque ela (criança) deve se vestir de outro jeito, há ai uma desconfirmação. Quando cai, se machuca e chora e os pais dizem que "não foi nada" é violento. Quando se está de estômago cheio, mas é preciso raspar o prato pra ser forte, pra que a mamãe e o papai fiquem felizes, quando a boa brincadeira é aquela que não atrapalha o programa passando na televisão. Esses são apenas alguns exemplos muito simples do que acontece.
Como esse é um tema bastante intenso, decidi abordá-lo em doses homeopáticas. Fico por aqui hoje.
Até a próxima!

domingo, 27 de maio de 2012

Vivências opressivas I

Depois de um longo tempo sem escrever, meu retorno às postagens traz um assunto um tanto difícil. Este é apenas o primeiro de outros posts que virão sobre as vivências opressivas das quais todos nós somos vítimas e algozes.
Desde os primórdios da existência humana, na busca pela sobrevivência, nos agrupamos com aqueles que faziam parte do nosso clã, nossa família. Disputávamos comida, abrigo, condições melhores. As primeiras alianças e cumplicidades já aconteciam "contra" alguém ou alguma coisa. E, de certa forma, até hoje nos comportamos assim: somos desde muito cedo ensinados a desconfiar de estranhos e/ou diferentes. E foi nesse ambiente de desconfiança, de "ameaça" que nós fomos nos contruindo, fomos construídos e construímos a nossa sociedade.
Nesse sentido, desde sempre, de uma forma ou de outra, tentamos formar (ou deformar) os outros à nossa imagem e semelhança, de forma a garantir nossa segurança, nosso conforto e diminuir nossa ansiedade. Foi assim que fomos criados pela nossa família: segundo os valores, idéias, jeito de ser, atitudes, comportamentos, etc. aceitos por ela, pelo nosso "clã". Essa não é uma verdade fácil de se encarar e menos ainda de ser percebida. Estamos tão implicados nesse processo que deixamos de ver a violência que existe aí. Somos amados por aquilo que somos ou apenas quando nos comportamos como "devemos" nos comportar? Enquanto crianças, construindo nossa personalidade, éramos realmente percebidos pelos adultos responsáveis por nós? Éramos realmente entendidos e principalmente, aceitos em nossa singularidade?
Somos o resultado de uma civilização marcada pelo "pecado original" - independemente de credo e religião esse mito permeia nossa sociedade - onde quebrar as regras, questionar e fugir dos padrões ocasionou ira, castigo e expulsão de um paraíso. Para sobreviver - e para uma criança sobreviver é igual a ganhar o amor e atenção dos pais - faremos absolutamente tudo; atenderemos às necessidades deles, nos moldaremos e os deixaremos que nos moldem de forma a sermos os filhos queridos e amados que precisamos ser para eles. É assim que tudo começa.
Pretendo desdobrar esse assuntos nas próximas postagens. A idéia do post de hoje foi justamente deixar uma pulga atrás da orelha de cada um.
E termino com uma música, propondo a reflexão do que constituiu cada um de nós  o que somos hoje. Como foi que chegamos aqui? Como crianças puras e inocentes tornam-se adultos gentis, cruéis, geniais, sádicos, etc.? E o que tem isso a ver com opressão?

Até o próximo post!